segunda-feira, 28 de abril de 2025

SONO NA ADOLESCÊNCIA: ENTRE O DESEJO DE LIBERDADE E A NECESSIDADE DE DESCANSO

A adolescência é uma fase de grandes transformações: físicas, emocionais, cognitivas e sociais. Mas há uma mudança menos visível – embora profundamente impactante – que marca esta etapa: a alteração do ritmo biológico do sono. Os jovens passam a adormecer mais tarde..., mas continuam a ter de acordar cedo. Resultado? Uma epidemia silenciosa de privação crónica de sono, com consequências reais para a saúde, o rendimento escolar e o bem-estar mental.

Neste artigo, exploramos as necessidades de sono dos adolescentes, os motivos pelos quais dormem pouco, o impacto da privação de sono e como podemos promover hábitos mais saudáveis e realistas, mesmo em contexto escolar exigente e num mundo hiperconectado.

1. Sono na Adolescência: Quanto é o suficiente?

De acordo com a Academia Americana de Medicina do Sono:

• Adolescentes dos 10 aos 18 anos precisam de 8 a 10 horas de sono por noite para um funcionamento ideal.
• A maioria dorme menos de 7 horas, especialmente nos dias de escola.
• A privação de sono torna-se mais grave à medida que a adolescência avança, com muitos jovens a dormirem apenas 5 a 6 horas por noite. Este défice não é benigno: está associado a maior risco de:

• Depressão e ansiedade
• Défice de atenção e alterações de humor
• Aumento de acidentes (domésticos, rodoviários)
• Obesidade, baixa imunidade, alterações hormonais

2. Por que os adolescentes dormem tão pouco?

a) Mudança fisiológica do ritmo circadiano

- Com a puberdade, o relógio biológico sofre um “atraso natural”. A produção de melatonina (hormona do sono) só aumenta por volta das 23h ou mais. Isto significa que o adolescente só sente sono verdadeiramente tarde – não por teimosia, mas por alteração neurobiológica.

b) Pressão escolar e carga de estudo

- O horário escolar começa cedo, mas o volume de tarefas e testes obriga muitos jovens a estudar até tarde, reduzindo o tempo de sono efetivo.

c) Uso de ecrãs e redes sociais

- A luz azul dos ecrãs inibe a melatonina, dificultando o adormecer. Além disso, o conteúdo consumido online é altamente estimulante. Muitos adolescentes passam horas em redes sociais ou videojogos... à custa do sono.

d) Vida social e necessidade de autonomia

- Sair à noite, conversar com amigos, ver séries – tudo isto ganha peso na adolescência. A cama deixa de ser prioridade.

e) Falta de valorização do sono

- Dormir é muitas vezes visto como perda de tempo. Poucos adolescentes associam o sono a melhor rendimento escolar, humor, saúde da pele, forma física ou regulação emocional.

3. As Consequências da Privação de Sono

A privação crónica de sono não é apenas “estar mais cansado”:

• A nível cognitivo: memória fraca, concentração reduzida, dificuldade em tomar decisões.
• A nível emocional: irritabilidade, baixa tolerância à frustração, risco aumentado de depressão.
• A nível físico: alterações hormonais, aumento de peso, menor resistência imunológica.
• A nível social: menor controlo impulsivo, conflitos familiares, isolamento.
• A nível académico: menor rendimento, maior risco de reprovações, desmotivação.

Adolescentes privados de sono são mais propensos a acidentes, automutilação, uso de substâncias e comportamentos de risco.

4. Estratégias para uma Higiene do Sono Realista e Saudável

a) Negociar horários consistentes

• Estabelecer uma hora de deitar realista (ex.: entre as 22h30 e 23h30), que permita 8 horas de sono antes de acordar.
• Permitir variações aos fins de semana, mas não superiores a 1-2 horas – evitar o chamado “jet lag social”.

b) Reduzir ecrãs antes de dormir

• Idealmente, sem telemóvel, tablet ou computador na hora antes de deitar.
• Se possível, deixar o telemóvel a carregar fora do quarto.
• Explicar ao jovem o impacto da luz azul e da hiperconectividade no sono – educar para a autonomia, em vez de proibir cegamente.

c) Ambiente de sono adequado

• Quarto escuro (usar cortinas blackout se necessário).
• Temperatura confortável e ruído mínimo.
• Colchão adequado à idade e posição de dormir preferida.
• Evitar fazer o quarto um centro de entretenimento (TV, consola, computador fixo...).

d) Evitar estimulantes

• Reduzir ou abolir o consumo de café, chá preto, bebidas energéticas ou chocolate à noite.
• Também o uso de nicotina e álcool, ainda que pontual, interfere negativamente com o sono.

e) Incluir momentos de relaxamento

• Antes de dormir: leitura, banho quente, respiração profunda, música suave, escrita livre ou
diário.
• Ensinar o adolescente a "desligar a mente" progressivamente.

f) Evitar sestas longas ao final do dia

• Se houver muita sonolência, permitir uma sesta curta (20-30 minutos), nunca após as 17h.

g) Valorizar o sono como base para o sucesso

• Mostrar que dormir bem melhora a memória, o foco, o humor... e até a pele!
• Estimular a perceção de causa-efeito: “Dormiste pouco ontem, como te sentiste hoje?”
• Envolver o jovem na criação do seu plano de sono.

5. Papel dos Pais: Limites com Compreensão

Apesar da maior autonomia, os adolescentes ainda precisam de apoio para criar bons hábitos:

• Não rotular o jovem de “preguiçoso” se quiser dormir mais ao fim de semana – ele está a recuperar o sono perdido.
• Estar atento a sinais de alerta: sonolência constante, mudanças de humor, insucesso escolar, isolamento.
• Estabelecer limites coerentes com flexibilidade – por exemplo, regras para o uso de ecrãs, tempo de estudo, hora de deitar.
• Ter conversas abertas sobre o impacto real do sono na vida quotidiana.

6. Quando procurar ajuda profissional?

Se, apesar de uma boa higiene do sono:

• O adolescente demora sempre mais de 1-2 horas a adormecer;
• Acorda exausto mesmo após dormir muitas horas;
• Dorme bem nos fins de semana, mas não consegue dormir cedo durante a semana;
• Manifesta irritabilidade extrema, tristeza persistente ou desmotivação escolar;

Pode haver um distúrbio do ritmo circadiano, insónia ou uma condição associada (depressão, ansiedade). Nestes casos, o apoio médico e psicológico é essencial.

7. Conclusão

A adolescência não é só um tempo de mudanças: é também uma oportunidade de criar hábitos duradouros. Dormir bem é uma ferramenta poderosa de autocuidado, saúde e rendimento. Cabe-nos a nós – pais, cuidadores, professores – trazer o sono de volta à agenda das prioridades adolescentes.

A ajuda começa com o exemplo, continua com o diálogo e fortalece-se com empatia.



Como lida com o sono aí em casa? O seu adolescente é do tipo “coruja” ou “cotovia”? Conte-nos nos comentários – todas as estratégias contam!

sábado, 26 de abril de 2025

SONO DOS 3 AOS 10 ANOS: ENTRE A IMAGINAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DE HÁBITOS SAUDÁVEIS

1. Introdução
Dos 3 aos 10 anos, o sono da criança adquire um novo estatuto: é mais profundo, mais previsível e mais concentrado no período noturno. Esta fase marca a consolidação de rotinas e hábitos de sono, mas também traz desafios típicos como pesadelos, terrores noturnos, resistência à hora de deitar e influência crescente das tecnologias. O ritmo escolar, as novas exigências cognitivas e sociais, bem como o alargamento da imaginação, tornam o sono ainda mais essencial – e, paradoxalmente, mais vulnerável a perturbações. 
Neste artigo, vamos compreender as necessidades de sono em cada subfase (pré-escolar e escolar), identificar dificuldades comuns e apresentar orientações práticas para ajudar as crianças a dormir melhor... e crescer com saúde.

2. Quanto deve dormir uma criança dos 3 aos 10 anos?
Segundo a Academia Americana de Medicina do Sono e a Organização Mundial de Saúde:

3 a 5 anos (fase pré-escolar): 10 a 13 horas de sono por dia, incluindo uma possível sesta.
6 a 10 anos (idade escolar): 9 a 12 horas de sono por noite, sem necessidade de sestas diurnas na maioria dos casos. 

Cada criança tem o seu ritmo, mas dormir menos do que o mínimo recomendado está associado a:

.Maior irritabilidade
.Dificuldades de atenção e aprendizagem
.Hiperatividade compensatória
.Maior risco de excesso de peso, infeções frequentes e alterações do humor

3. Características do Sono por Faixa Etária

a) Dos 3 aos 5 anos: transição e imaginação fértil 
.Muitas crianças ainda fazem uma sesta após o almoço, mas a frequência e duração começam a diminuir.
.O sono noturno dura em média 10 a 11 horas.
.Os ciclos de sono atingem 90 minutos (como nos adultos), com cerca de 20-25% em fase REM. 
.É comum a presença de parassónias como terrores noturnos, sonambulismo ligeiro, bruxismo e fala durante o sono.
.Pesadelos tornam-se mais frequentes devido à explosão da criatividade e vivência emocional.

b) Dos 6 aos 10 anos: sono mais profundo, mas novos desafios
.O sono torna-se exclusivamente noturno, concentrado em 9 a 11 horas contínuas.
.O sono de ondas lentas (NREM profundo) predomina na primeira metade da noite – é muito restaurador.
.A criança adormece com mais facilidade... se não houver ecrãs ou estímulos próximos da hora de dormir.
.As obrigações escolares e a diminuição do tempo livre muitas vezes roubam horas de descanso.
.O ritmo biológico ainda é matinal: a criança naturalmente acorda cedo, por isso precisa de se deitar cedo.

4. Dificuldades Comuns no Sono Entre os 3 e os 10 Anos

    1. Resistência à hora de dormir
A criança recusa ir dormir, pede mais histórias, água ou companhia. É um reflexo do desejo de autonomia, medo de separação ou simples testagem de limites.

    2. Pesadelos
Surpreendentemente realistas e intensos, podem acordar a criança com choro ou medo. São comuns entre os 3 e os 7 anos. Requerem conforto e tranquilidade.

    3. Terrores noturnos e sonambulismo
Ocorrem durante o sono profundo, nas primeiras 2 a 3 horas da noite. A criança pode sentar-se, gritar ou andar, mas geralmente não se recorda no dia seguinte. Não acordar bruscamente – apenas garantir segurança.

    4. Uso excessivo de ecrãs
Televisão, tablets ou telemóveis antes de dormir interferem na produção natural de melatonina, dificultando o adormecer e piorando a qualidade do sono.

    5. Medos noturnos
O escuro, os “monstros”, o silêncio ou a solidão são receios típicos. Ignorar ou desvalorizar não ajuda – mas reforçar que está segura e permitir um ritual reconfortante faz diferença.

5. Dicas Práticas: Higiene do Sono entre os 3 e os 10 anos

a) Estabeleça horários regulares: Deitar e acordar sempre à mesma hora, com variações mínimas aos fins de semana.

b) Respeitar o número de horas necessárias segundo a idade.

c) Crie uma rotina previsível e calmante.

d) Ritual noturno com duração de 20-30 minutos: banho → pijama → história → boa noite.

e) Evitar ecrãs, brincadeiras intensas ou discussões próximas da hora de dormir.

f) Reduza estímulos visuais e sonoros no quarto.

g) Luz suave ou ausente (usar luz de presença se necessário apenas ao adormecer - depois desligar; atualmente há lampadas wireless com possibilidade de automações).

h) Quarto silencioso.

i) Sem televisão ou ecrãs dentro do quarto.

j) Promova um espaço confortável.

k) Cama firme e adequada à idade.

l) Lençóis agradáveis e roupa leve.

m) Temperatura ambiente ~ 21º C.

n) Incentive a autonomia.

o) A criança deve participar na preparação para dormir: escolher o pijama, arrumar brinquedos, preparar o peluche.

p) Se acordar de noite, incentive-a a resolver pequenas questões sozinha (ir à casa de banho, ajustar o cobertor).

q) Lide com medos com empatia

r) Evite reforçar crenças (“vamos ver se está um monstro no armário”), mas respeite os receios.

s) Usar uma linguagem lúdica: “esta luz protege-te”, “o ursinho faz-te companhia”, “a mamã volta logo de manhã”.

t) Garanta equilíbrio entre atividade física e descanso

u) Atividades físicas durante o dia ajudam o sono, mas devem ser evitadas nas 2h antes de dormir.

v) Exposição à luz natural pela manhã reforça o ritmo circadiano.

6. Conclusão
Entre os 3 e os 10 anos, o sono é um espelho do equilíbrio emocional, físico e ambiental da criança. Estabelecer uma rotina, respeitar os limites biológicos e criar um ambiente seguro são os pilares de noites tranquilas e restauradoras. O sono é também uma oportunidade diária de reconexão: os rituais partilhados à noite (histórias, canções, abraços) tornam-se memórias afetivas para toda a vida. Se tiver dicas ou rituais que funcionaram bem com os seus filhos, partilhe nos comentários – inspirar outros pais é também um gesto de cuidado.

domingo, 13 de abril de 2025

O SONO DO LACTENTE ATÉ AOS 3 ANOS. ENTRE O ACONCHEGO E A AUTONOMIA.

Depois dos primeiros meses de vida, o sono da criança começa a transformar-se significativamente. O que antes era fragmentado e imprevisível torna-se mais estável, com ciclos mais longos e uma crescente consolidação do sono noturno. Mas com essa transição, surgem também novos desafios: regressões, birras, despertares noturnos, ansiedade de separação e a famosa “resistência à hora de dormir”. Nesta fase – dos 4 meses até aos 3 anos – a criança percorre um percurso intenso de maturação neurológica, emocional e comportamental. Neste artigo, exploramos as etapas esperadas do sono, os fenómenos típicos (como os despertares frequentes aos 8 meses ou o abandono das sestas) e como os cuidadores podem promover um sono saudável e tranquilo para toda a família. 

 1. O SONO DO LACTENTE: ETAPAS-CHAVE 

Dos 4 aos 6 meses: primeiros progressos
Nesta fase, muitos bebés começam a dormir blocos noturnos de 6 a 8 horas seguidas. 
O total de sono diário ronda as 12 a 16 horas, incluindo 2 a 3 sestas diurnas. 
O ritmo sono-vigília torna-se mais regular com o amadurecimento do sistema nervoso central. 
Começam a adormecer com menos ajuda dos pais – e muitos conseguem voltar a dormir sozinhos após pequenos despertares. 

Dos 6 aos 12 meses: consolidação e regressões 
O sono noturno passa a representar a maior parte das horas dormidas. As sestas estabilizam em duas por dia. 
Entre os 8 e os 10 meses, é comum surgirem regressões do sono ligadas à ansiedade de separação, surgimento de novos marcos (engatinhar, ficar em pé, primeiras palavras). 
Mesmo bebés que já dormiam bem podem passar a acordar mais frequentemente – isso é normal e, na maioria das vezes, transitório. 

Dos 12 aos 24 meses: maior estabilidade com novas lutas 
A maioria das crianças dorme entre 11 e 14 horas por dia, distribuídas entre uma longa noite e uma ou duas sestas. 
Por volta dos 15-18 meses, há uma transição natural de duas sestas para apenas uma. 
Os despertares noturnos tornam-se menos frequentes, mas ainda podem ocorrer por fome, sede, sonhos, dentição ou desejo de proximidade.  

Dos 2 aos 3 anos: imaginação vívida e insónia comportamental 
Nesta idade, o sono noturno dura entre 10 e 11 horas, e a criança faz geralmente uma sesta após o almoço (1-2h). 
A criatividade floresce e surgem pesadelos ocasionais ou medos à hora de dormir. 
Pode também surgir a chamada “insónia comportamental por ausência de limites” – a criança tenta adiar a hora de dormir com pedidos constantes, resistência ou birras.  

2. DESAFIOS COMUNS NESTA FASE 

Regressões do sono
Ocorrem normalmente aos 4, 8, 12 e 18 meses. Caracterizam-se por um aumento súbito de despertares e dificuldade em adormecer. Estão relacionadas com marcos de desenvolvimento, picos de crescimento e mudanças de rotina. 

Associações negativas de adormecimento 
Se o bebé adormece sempre ao colo, a mamar ou no carro, poderá acordar a meio da noite a pedir exatamente o mesmo ambiente para voltar a adormecer. 

Medos e pesadelos 
A partir dos 2 anos, os medos tornam-se mais claros: escuro, monstros, separação dos pais. Os pesadelos podem perturbar o sono e exigir conforto. 

Transição para o quarto próprio ou para a cama 
Essa mudança é marcante. Exige adaptação e pode desencadear insegurança ou resistências. 

3. HIGIENE DO SONO: O QUE FAZER ATÉ AOS 3 ANOS? 

Manter horários regulares 
Defina uma hora de deitar e acordar estáveis, mesmo aos fins de semana. 
Esta previsibilidade ajuda a regular o ritmo circadiano e evita que a criança fique demasiado cansada (o que dificulta o sono).  

Criar uma rotina noturna tranquila e repetitiva 
Duração: cerca de 20-30 minutos. 
Exemplo: banho morno → colocar pijama → escovar os dentes → ler uma história ou cantar uma canção → luz reduzida. 
O ritual deve ser sempre igual e sem ecrãs ou brincadeiras agitadas. 

Favorecer o adormecer autónomo 
Tente que a criança adormeça ainda acordada, mas sonolenta, para aprender a acalmar-se sozinha. 
Pode usar uma técnica de afastamento gradual (ex.: sentar ao lado da cama e afastar-se mais a cada noite). 
O uso de um objeto de transição (peluche, fralda) ajuda a criar segurança. 

Reagir com consistência aos despertares 
Se a criança acordar à noite, tranquilize com breves interações (voz suave, contacto físico breve) mas evite “recomeçar o ritual” completo. 
O objetivo é mostrar que ainda é hora de dormir, sem reforçar o comportamento de chamada constante. 

Adaptar-se às fases especiais 
  Durante doenças, viagens ou mudanças importantes, o sono pode regredir temporariamente. 
O importante é retomar a rotina habitual o mais cedo possível após o evento. 

Manter um ambiente adequado ao sono 
Quarto escuro ou com luz de presença fraca (amarela). 
Temperatura confortável. 
Berço ou cama segura e sem distrações visuais excessivas. 
Evitar brincadeiras intensas ou televisão dentro do quarto. 

4. CONCLUSÃO 

O sono dos 4 meses aos 3 anos é como uma dança: por vezes harmoniosa, por vezes caótica – mas sempre em transformação. Os pais têm um papel central ao estabelecer limites suaves, rotinas estáveis e muito afeto. Compreender as etapas do desenvolvimento do sono permite agir com realismo e tranquilidade. E com isso, noites mais serenas tornam-se cada vez mais possíveis. 

E aí em casa? Como correu esta fase com o vosso filho?
 
Partilhem connosco nos comentários: 
– as vossas experiências são valiosas para todos! 


sábado, 12 de abril de 2025

Sono em idade pediátrica: do Recém-Nascido aos 3 meses.

Nas primeiras semanas de vida, o sono do bebé é, para muitos pais, um dos maiores desafios e também uma das maiores fontes de preocupação. Será normal acordar tantas vezes? Deverá dormir mais? Como criar hábitos saudáveis se tudo parece tão instável? Neste artigo, vamos explorar com profundidade como funciona o sono no recém-nascido (dos 0 aos 3 meses), o que é esperado nesta fase, que sinais indicam um padrão normal e o que podemos fazer desde cedo para promover uma boa higiene do sono. Esta é uma etapa de transição em que o objetivo não é ter noites inteiras de descanso – mas sim lançar as bases para que isso se torne possível nos meses seguintes.

O SONO NORMAL NO RECÉM-NASCIDO

Duração e estrutura do sono

Os recém-nascidos precisam de sono – entre 14 e 17 horas por dia, segundo a Academia Americana de Medicina do Sono. Mas este tempo não é concentrado num período noturno longo. Em vez disso, é distribuído por vários blocos curtos ao longo das 24 horas.

Isto acontece porque o sono do recém-nascido é polifásico: o bebé adormece e acorda frequentemente, sem ainda distinguir o dia da noite. Os ciclos de sono são curtos (cerca de 50 minutos) e dividem-se em:

  1. Sono ativo (REM): o bebé pode mexer os olhos, fazer expressões faciais ou até pequenos sons.
  2. Sono tranquilo (não-REM): fase mais profunda, com respiração regular e menor movimentação.

Metade do tempo é passado em sono REM, o que tem um papel importante no desenvolvimento cerebral.

A imaturidade do ritmo biológico

O chamado ritmo circadiano, que regula o ciclo sono-vigília, ainda está em formação. A produção da hormona melatonina, que favorece o sono noturno, só começa a organizar-se por volta das 6-8 semanas. Por isso, é absolutamente normal que os bebés acordem de 2 em 2 ou 3 em 3 horas para mamar, independentemente de ser dia ou noite.

Variação individual

Há bebés que, aos 2-3 meses, já fazem blocos de 6-8 horas de sono à noite. Outros continuam a acordar com frequência. Esta variação é normal. Até cerca dos 3 meses, não se espera que a maioria durma a noite toda. A maturidade neurológica e a necessidade de alimentação frequente impedem jejuns noturnos longos.

EVOLUÇÃO NATURAL DO SONO ATÉ AOS 3 MESES

Durante o primeiro mês, começam a surgir indícios de uma maior consolidação do sono noturno:

  1. A partir das 4 semanas, alguns bebés começam a dormir 4-5 horas seguidas à noite.
  2. Aos 2 meses, é comum surgirem períodos de sono noturno mais longos e uma diminuição das sestas durante o dia.
  3. Perto dos 3 meses, o bebé tende a fazer um bloco de sono mais prolongado durante a noite, sinalizando o início da organização do relógio biológico.

A alimentação continua a ser um fator determinante nos despertares, mas o conforto, o ambiente e as rotinas começam a influenciar também.

ESTRATÉGIAS DE HIGIENE DO SONO PARA O RECÉM-NASCIDO

A palavra de ordem é ritmo com flexibilidade. Apesar da imaturidade do sistema do bebé, os pais podem começar desde cedo a introduzir práticas que facilitam a adaptação natural ao ciclo dia-noite.

a) Ambiente de sono seguro e acolhedor

  1. Dormir sempre de costas, sobre um colchão firme, num berço sem almofadas, peluches ou cobertores soltos.
  2. Temperatura ideal entre 18 e 21ºC.
  3. Ambiente calmo, com ruído branco natural (ventilador suave, por exemplo) se necessário.

Estas medidas reduzem o risco de Síndrome da Morte Súbita do Lactente e aumentam o conforto.

b) Distinguir dia e noite

  1. Durante o dia, manter a casa com luz natural, barulhos habituais, interações e brincadeiras.
  2. Durante a noite, baixar luzes e ruído, minimizar estímulos durante a amamentação ou mudança de fralda.

Esta diferenciação simples ajuda o cérebro do bebé a reconhecer os ciclos de claro e escuro.

c) Observar sinais de sono

Ficar atento a sinais como bocejos, olhos vermelhos, esfregar os olhos, ou perder o interesse por estímulos. Um bebé cansado demais terá mais dificuldade em adormecer, por isso é preferível colocá-lo no berço antes de estar demasiado exausto.

d) Estabelecer um mini ritual noturno

  1. Mesmo com semanas de vida, o bebé pode começar a beneficiar de uma sequência repetida antes de dormir: banho morno, pijama, canção, luz suave, mamada.
  2. Esta rotina, repetida diariamente, ajuda o cérebro a associar essas ações ao momento de descanso.

e) Estimular adormecer no berço

  1. Se possível, colocar o bebé no berço ainda acordado, mas sonolento.
  2. Isto favorece o autoconforto e reduz a dependência de embalo ou alimentação para adormecer.

f) Garantir conforto básico

  1. Verificar fralda, temperatura corporal, fome ou cólicas.
  2. Muitas vezes, despertares precoces estão ligados a desconforto facilmente resolvido.


CONCLUSÃO

O sono do recém-nascido é um mundo próprio, que exige paciência, observação e carinho. Compreender a fisiologia do sono nos primeiros 3 meses ajuda os pais a ajustarem expectativas, reduzindo a ansiedade e fortalecendo o vínculo com o bebé. Embora não haja fórmulas mágicas para fazer um bebé dormir, há rotinas e cuidados que ajudam – e muito – a construir noites mais serenas no futuro.

Tem alguma rotina que resultou especialmente bem aí em casa? Partilhe nos comentários. Estamos sempre a aprender uns com os outros!


 

 

 

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 3 de 3. Tratamento, Prognóstico e Vida quotidiana

Após recebermos o diagnóstico de epilepsia do nosso filho, surge inevitavelmente a questão: "E agora? Como será o futuro da nossa criança?" Tenho uma mensagem tranquilizadora para vos transmitir: na grande maioria dos casos, a epilepsia pode ser eficazmente controlada, permitindo que a criança desfrute plenamente da sua infância: brincando, aprendendo, fazendo amizades e desenvolvendo-se harmoniosamente. Neste artigo, abordaremos o tratamento, as perspetivas futuras e estratégias práticas para o quotidiano.

A abordagem terapêutica varia conforme o tipo de epilepsia, a idade da criança e as características especificas das crises.
  • Medicação Antiepilética (MAE): A maioria das crianças inicia tratamento com fármacos que visam reduzir ou eliminar as crises. O objetivo é alcançar o controlo eficaz com a menor dose possível, minimizando potenciais efeitos secundários.
  • Intervenção Cirúrgica: Em situações selecionadas, quando as crises são difíceis de controlar e têm uma origem bem localizada, a cirurgia pode representar uma alternativa terapêutica.
  • Abordagens complementares:
    • Dieta cetogénica: particularmente em epilepsias refratárias
    • Neuroestimulação: em casos específicos
É fundamental compreender que o tratamento é sempre personalizado, adaptando-se às necessidades particulares de cada criança e família.

Perspetivas futuras: o que podemos esperar?
Muitas crianças conseguem ficar livres de crises com o tratamento adequado
• Algumas formas de epilepsia resolvem-se espontaneamente com o crescimento
• Outras podem necessitar de tratamento prolongado, mas permitindo uma qualidade de vida satisfatória
• Raramente, a epilepsia pode apresentar-se mais resistente ao tratamento, mas mesmo nestas situações, é possível reduzir a frequência e intensidade das crises com o acompanhamento apropriado

O quotidiano com epilepsia
A epilepsia é apenas uma parte da vida da criança, não a sua definição completa. Com orientação adequada e pequenas adaptações, ela pode participar ativamente nas atividades escolares, lúdicas e sociais.
 
Ambiente escolar e aprendizagem 
  • Informe educadores e professores sobre a condição da criança.
  • Oriente-os quanto aos procedimentos a adotar em caso de crise. 
  • Mantenha comunicação regular com a equipa educativa. 

 Atividade física

  • A prática desportiva é geralmente possível e benéfica.
  • Algumas precauções específicas devem ser discutidas com o pediatra ou neuropediatra. 

Desenvolvimento da autonomia

  • Envolva a criança, de acordo com a sua idade, nas decisões relacionadas com a sua saúde.
  • Estimule progressivamente a sua independência. 
  • Orientações práticas para o dia-a-dia. 
  • Estabeleça uma rotina regular de sono. 
  • Assegure a administração correta da medicação. 
  • Tenha sempre consigo informação essencial sobre a criança (tipo de epilepsia, medicaçãoe contactos de emergência). 
  • Prepare o círculo social próximo para saber agir adequadamente perante uma crise. 
  • Proporcione apoio emocional à criança: escute-a, compreenda as suas preocupações e normalize a sua experiência.

Reflexão final

Viver com epilepsia implica, certamente, alguns ajustes e atenção especial, mas também oferece oportunidades de desenvolvimento da resiliência e crescimento pessoal. Com o apoio integrado da família, da escola e da equipa de saúde, as crianças com epilepsia podem sonhar, concretizar projetos e viver uma vida plena e feliz.


sábado, 5 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 2 de 3. Tipos de crises epiléticas e suas manifestações clínicas.

Quando pensamos em epilepsia, muitos de nós imaginamos imediatamente uma criança com movimentos convulsivos intensos. No entanto, a realidade é muito mais variada e complexa. As crises epiléticas manifestam-se de formas diversas, nem sempre envolvendo movimentos visíveis ou óbvios. Neste artigo, procuro ajudar-vos a reconhecer os principais tipos de crises que podem ocorrer na infância, capacitando-vos para uma observação mais informada e um apoio mais eficaz.

O que é realmente uma crise epilética?

Uma crise epilética resulta de uma atividade elétrica cerebral anormal e súbita. Dependendo da região cerebral afetada, as manifestações podem variar significativamente. Algumas crises são subtis e facilmente confundíveis com outros comportamentos, enquanto outras são mais evidentes e potencialmente impressionantes – todas merecem a nossa atenção cuidada.

Principais Tipos de Crises Epiléticas

1. Crises Focais (ou Parciais)

Têm origem numa região específica do cérebro.

• Podem manifestar-se através de movimentos involuntários num membro ou numa metade do corpo.

• Alterações sensoriais: distúrbios visuais, auditivos ou sensações de formigueiro.

• Em algumas situações, a criança mantém a consciência; noutras, pode ocorrer alteração da mesma.

• Por vezes, estas crises podem evoluir para crises generalizadas, envolvendo progressivamente todo o cérebro.

2. Crises Generalizadas

Envolvem, desde o início, ambos os hemisférios cerebrais. Há perda de consciência.

    1)Crises tónico-clónicas (anteriormente designadas por "grande mal"): 

- A criança perde a consciência, apresenta rigidez inicial (fase tónica) seguida de movimentos rítmicos (fase clónica). 
- Frequentemente associa-se salivação abundante, alterações do olhar e, por vezes, perda de controlo urinário. 
- Após a crise, segue-se habitualmente um período de sonolência ou confusão (fase pós-ictal);
 
 
    2)Crises de ausência (outrora conhecidas como "pequeno mal"):
- Episódios breves (geralmente segundos) de desconexão do ambiente
- Podem ocorrer piscar de olhos ou pequenos movimentos automáticos
- Facilmente confundíveis com momentos de distração ou desatenção

    3)Crises atónicas:
- Caracterizam-se por perda súbita do tónus muscular, podendo resultar em quedas inesperadas

    4)Crises mioclónicas:
- Movimentos bruscos e rápidos, frequentemente nos membros superiores

Como identificar uma crise?

Os pais e cuidadores são observadores privilegiados. Perante a suspeita de uma crise:

• Observe atentamente:
- O que fazia a criança antes da crise? Como se iniciou? Qual a duração aproximada?
- Que movimentos apresentou? Estava consciente? Reagia a estímulos? Respondia verbalmente? Como se encontrava após o episódio?

• Se possível, registe para posterior análise médica;

• Mantenha um registo organizado, anotando data, hora, duração, descrição e contexto de cada episódio.

Lidar com o receio das crises

Mesmo as crises aparentemente mais dramáticas, como as tónico-clónicas, podem ser adequadamente controladas com tratamento apropriado. O fundamental é compreender o que está a acontecer e agir de forma informada e tranquila.

Recomendações práticas

• Nunca introduzir objetos na boca da criança durante uma crise

• Colocar a criança em posição lateral de segurança e proteger a cabeça

• Manter a calma — frequentemente, o aspeto das crises é mais impressionante do que o

risco real

• Comunicar sempre com o pediatra ou neurologista após um novo episódio

Uma palavra final

Reconhecer adequadamente o tipo de crise epilética não é responsabilidade exclusiva dos profissionais de saúde. Os pais e cuidadores desempenham um papel fundamental neste processo, permitindo um diagnóstico mais preciso e, consequentemente, uma abordagem terapêutica mais eficaz.

terça-feira, 1 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 1 de 3: O que é?

Quando recebemos a notícia de que um filho tem epilepsia, é natural sentirmos uma mistura de preocupação e incerteza. Como pediatra que acompanha famílias nesta situação, gostaria de vos oferecer informação clara e fundamentada que vos ajude a compreender melhor esta condição e a encontrar segurança no caminho a percorrer.

O que é realmente a Epilepsia?
A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada por uma predisposição continuada do cérebro para gerar crises epiléticas. É importante esclarecer: uma única convulsão, mesmo que intensa, não significa necessariamente epilepsia.

Falamos de epilepsia quando as crises ocorrem de forma repetida sem que haja uma causa temporária identificável (como febre alta, traumatismo recente ou uma infeção aguda).
Não nos referimos a uma doença única, mas sim a um conjunto de situações clínicas com diferentes manifestações, causas e prognósticos. Muitas formas são transitórias e a maioria das crianças com epilepsia consegue levar uma vida plena e equilibrada com o acompanhamento adequado.


Causas mais frequentes
A epilepsia pode manifestar-se em qualquer idade, sendo particularmente comum na primeira infância. Entre as principais causas encontramos:
• Idiopática — sem causa identificável, frequentemente com um cérebro estruturalmente normal
• Genética — algumas epilepsias têm base hereditária, o que não implica "responsabilidade" de ninguém
• Alterações do desenvolvimento cerebral — malformações ou lesões ocorridas antes, durante ou após o nascimento
• Traumatismos — lesões que afetam o tecido cerebral
• Infeções ou processos inflamatórios — como meningites ou encefalites
É reconfortante saber que, mesmo quando não se consegue identificar uma causa específica após todos os exames, isso não impede que se consiga um tratamento eficaz e uma vida equilibrada.

Como se estabelece o diagnóstico?
O diagnóstico da epilepsia é fundamentalmente clínico, baseando-se na descrição detalhada das crises. É aqui que o vosso papel como pais ou cuidadores se torna essencial.
Aspectos importantes a observar:
• Como se inicia a crise? Afeta um lado específico ou todo o corpo?
• Ocorrem alterações no olhar? Salivação aumentada? Rigidez? Movimentos involuntários?
• Qual a duração aproximada?
• Como fica a criança após a crise? Sonolenta? Confusa? Recupera rapidamente?
Estes pormenores são valiosos para o pediatra ou neurologista.
Após a avaliação clínica inicial, poderão ser necessários:
• EEG (eletroencefalograma): para avaliar a atividade elétrica cerebral
• Neuroimagem (geralmente ressonância magnética): para identificar possíveis alterações estruturais
• Outros exames complementares, conforme a situação específica

O diagnóstico não define o futuro
É fundamental compreendermos que o diagnóstico de epilepsia não determina limitações definitivas na vida da criança. A maioria consegue um bom controlo das crises e mantém todas as suas atividades normais – escola, brincadeiras e até desporto.
A atitude informada e positiva de quem cuida faz uma diferença extraordinária. Conhecer a condição, saber como agir e a quem recorrer proporciona segurança tanto à criança como a toda a família.
Orientações práticas para o dia-a-dia
• Mantenha a serenidade possível durante uma crise
• Observe e, se possível, registe o episódio para posterior descrição médica
• Partilhe experiências com outros pais que vivem situações semelhantes
• Não hesite em solicitar apoio profissional, tanto médico como emocional

Uma nota final
A epilepsia representa um desafio, sem dúvida, mas com conhecimento, acompanhamento médico adequado e muito afeto, é possível viver bem com este diagnóstico. Nos próximos artigos, continuaremos a explorar os tipos de crises epiléticas e aspectos práticos da vida quotidiana da criança com epilepsia.

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