domingo, 18 de maio de 2025

A Neurobiologia do Apego

 





        O ser humano quando nasce é totalmente dependente dos cuidadores! Daí vem a necessidade de se vincular. Este vínculo aos cuidadores primários designa-se de apego, constitui um imperativo biológico nos primeiros estágios de vida e marca a saúde mental ao longo da vida.

    Nesta interação com os cuidadores, sobretudo nos primeiros 3 anos de vida, desencadeiam-se vários processos e desenvolvem-se conexões entre os sistemas neurais, hormonais e comportamentais.

        🧠 Bases neurais do Apego:

- sistema límbico: centro das emoções, onde o hipocampo e a amígdala processam memórias emocionais e respostas ao stress relacionadas ao apego;

- córtex pré-frontal: responsável pela regulação emocional, atenção e concentração, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva e tomada de decisões nos relacionamentos;

- circuito de recompensa: o sistema dopaminérgico cria sensações prazerosas durante interações positivas com figuras de apego, reforçando os comportamentos de busca por proximidade e cuidado.

        🧠 Neurotransmissores e hormonas:

- ocitocina: facilita a vinculação e confiança;

- vasopressina: contribui para comportamentos de apego, especialmente em vínculos afetivos de longo prazo;

- cortisol: hormona do stress, que se eleva durante a separação das figuras de apego;

- endorfinas: geram a sensação de bem-estar durante o contacto com as figuras de apego.

        

Deste modo, a neurobiologia do apego vem confirmar a profunda relação entre as experiências de apego, o funcionamento cerebral e a saúde mental. Padrões de apego inseguros, podem ter consequências negativas na saúde mental, como perturbação de ansiedade, depressão e até dificuldades nos relacionamentos ao longo da vida, uma vez que os apegos criados posteriormente (sejam amigos ou parceiros amorosos), reutilizam o mecanismo básico estabelecido pelo vínculo inicial com os cuidadores primários durante a infância. 

segunda-feira, 12 de maio de 2025

DISTÚRBIOS DE SONO EM PEDIATRIA - INSÓNIAS, PARASSÓNIAS E OUTROS.

Como pediatra, gostaria de partilhar convosco informações sobre um tema fundamental para o desenvolvimento saudável dos vossos filhos: o sono. A qualidade do sono afeta diretamente o crescimento, o desempenho escolar e até o humor das crianças e adolescentes. Vamos descobrir como proporcionar-lhes noites tranquilas e reparadoras.

PORQUE É QUE O SONO É TÃO IMPORTANTE?
O sono não é apenas um período de descanso – é um processo ativo e essencial durante o qual:

• O cérebro consolida as aprendizagens e fixa memórias
• É libertada a hormona do crescimento, fundamental para o desenvolvimento
• O sistema imunitário é fortalecido, protegendo contra infeções
• São processadas as emoções, contribuindo para o equilíbrio emocional

Quando uma criança dorme mal, pode manifestar irritabilidade, dificuldades de concentração, diminuição do rendimento escolar e até maior tendência para o aumento de peso.

QUANTO TEMPO DEVEM DORMIR?
  • 0-1 ano: 14-17 horas
  • 1-2 anos: 11-14 horas
  • 3-5 anos: 10-13 horas
  • 6-12 anos: 9-11 horas
  • 13-17 anos: 8-10 horas
Nota importante: Se o seu filho dorme habitualmente menos 1 hora que o mínimo recomendado, vale a pena discutir esta situação na próxima consulta.

COMO FUNCIONA O SONO?
O sono organiza-se em ciclos que alternam entre as fases REM (Rapid Eye Movement) e NREM (Non-REM). Cada ciclo dura aproximadamente 90 minutos e repete-se 4 a 6 vezes por noite.

•  NREM Fases 1-2: Sono leve, em que é fácil acordar
• NREM Fase 3: Sono profundo, essencial para a reparação dos tecidos e libertação da hormona do crescimento
• REM: Fase em que ocorrem os sonhos mais vívidos e o cérebro processa emoções e memórias

É interessante notar que as crianças pequenas passam mais tempo em sono profundo NREM para suportar o crescimento, enquanto os adolescentes necessitam de mais sono REM para consolidar as aprendizagens.

PROBLEMAS DE SONO MAIS FREQUENTES

INSÓNIA COMPORTAMENTAL
O que é? A criança tem dificuldade em adormecer ou acorda frequentemente durante a noite porque desenvolveu associações inadequadas para adormecer (como precisar de colo, telemóvel ou uma canção específica).

Sinais a que deve estar atento:
• Demora mais de 30 minutos a adormecer
• Pede repetidamente "só mais uma história!"
• Desperta várias vezes durante a noite

Causas habituais:
• Rotinas inconsistentes
• Utilização de ecrãs antes de deitar
• Ansiedade de separação

Como ajudar:
1. Estabelecer uma rotina fixa (jantar leve, banho morno, história curta).
2. Aplicar a técnica de "bedtime fading" - adiantar a hora de deitar 10 minutos por dia até atingir o horário desejado.
3. Praticar a extinção gradual - ignorar protestos ligeiros, mas confortar se o choro for intenso.
4. Em casos específicos, a melatonina pode ser útil, mas apenas sob orientação médica.

PARASSONIAS (EVENTOS ANORMAIS DURANTE O SONO)



APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO (SAOS)
Sinais principais:
• Ressonar intenso quase todas as noites
• Pausas na respiração (os pais observam "engasgos")
• Sono agitado em posições pouco naturais (pescoço em hiperextensão)

Durante o dia, a criança pode apresentar:
• Sonolência ou, paradoxalmente, hiperatividade
• Dificuldades de concentração e diminuição do rendimento escolar
• Atraso no crescimento e cefaleias matinais

Causas mais comuns:
• Hipertrofia das amígdalas e/ou adenoides, obesidade, alergias nasais.

Tratamento:
• Cirurgia para remoção das adenoides/amígdalas
• CPAP (máscara que mantém a via aérea aberta durante o sono)
• Perda de peso, quando indicado
• Tratamento das alergias nasais

SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS (RLS)
A criança relata sensações desconfortáveis nas pernas e uma necessidade irresistível de as movimentar, especialmente ao anoitecer. Os sintomas aliviam com o movimento. Existe frequentemente história familiar.

Pode estar associada a:
• Níveis baixos de ferro (ferritina < 50 ng/mL)
• Deficiência de vitamina D

Abordagem:
1. Realizar análises sanguíneas
2. Se a ferritina estiver baixa, suplementar com ferro (≈ 3 mg/kg/dia) durante 2-3 meses
3. Praticar alongamentos antes de dormir
4. Evitar cafeína e bebidas energéticas

ATRASO DO RITMO CIRCADIANO
Mais frequente em adolescentes, que se sentem mais ativos à noite e têm dificuldade em acordar cedo.

Pistas:
• Adormecem após a 1h da manhã e, aos fins de semana, dormem até tarde

Como gerir:
• Exposição à luz solar matinal
• Reduzir a luminosidade e desligar os ecrãs à noite
• Melatonina em baixa dose, 2-3 horas antes da hora desejada para adormecer

Sinais de alarme — quando consultar um especialista
• Demorar mais de 30 minutos a adormecer e acordar mais de 3 vezes por noite durante mais de 3 semanas
• Ressonar intenso com pausas na respiração
• Sonolência diurna que interfere com as atividades escolares
• Parassónias que colocam a criança em risco (cair da cama, sair de casa)
• Puberdade atrasada ou crescimento lento sem causa aparente

Higiene do sono — conselhos práticos
1. Manter horários regulares para deitar e levantar, mesmo aos fins de semana
2. Desligar todos os ecrãs 60 minutos antes de dormir
3. Criar um ambiente propício ao sono: quarto escuro (cortinas blackout), fresco (18-20°C) e silencioso
4. Praticar exercício físico diariamente, mas evitar atividade intensa nas 2 horas antes de deitar
5. Eliminar cafeína depois das 16h (presente em café, chá preto, cola, bebidas energéticas)
6. Optar por um jantar leve, evitando alimentos fritos e com muito açúcar
7. Tomar um banho morno 30 minutos antes de deitar ajuda a relaxar
8. Estabelecer um ritual curto de preparação para o sono (livro ou música calma, máximo 15 minutos)

Exemplo de rotina para os 30 minutos antes de deitar:
30 min Desligar todos os ecrãs
25 min Lavar os dentes
20 min Vestir o pijama
15 min Leitura tranquila
0 min Apagar a luz

MITOS COMUNS SOBRE O SONO
1. "Quanto mais tarde adormecer, mais cansada fica e dorme melhor."
Falso! O excesso de cansaço pode dificultar o adormecimento.

2. "Ressonar é normal nas crianças."
Falso! Pode indicar apneia do sono e merece avaliação.

3. "A luz azul do telemóvel não afeta o sono."
Falso! Bloqueia a produção de melatonina, hormona essencial para o sono.

4. "Os suplementos de melatonina são sempre seguros."
Falso! Devem ser utilizados apenas com indicação médica.

PALAVRA FINAL
O sono de qualidade é fundamental para o desenvolvimento equilibrado dos vossos filhos. Problemas como a insónia, as parassonias e a apneia são frequentes mas, felizmente, tratáveis. Estabelecer rotinas consistentes e criar um ambiente adequado são passos importantes para melhorar a qualidade do sono. Se observarem algum dos sinais de alarme mencionados, não hesitem em procurar ajuda profissional. Como pediatra, estou disponível para esclarecer as vossas dúvidas e ajudar os vossos filhos a conseguirem noites tranquilas e reparadoras. Porque uma criança que dorme bem tem tudo para crescer feliz e saudável!

Nota: Este artigo tem carácter informativo e não substitui a avaliação médica.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

SONO NA ADOLESCÊNCIA: ENTRE O DESEJO DE LIBERDADE E A NECESSIDADE DE DESCANSO

A adolescência é uma fase de grandes transformações: físicas, emocionais, cognitivas e sociais. Mas há uma mudança menos visível – embora profundamente impactante – que marca esta etapa: a alteração do ritmo biológico do sono. Os jovens passam a adormecer mais tarde..., mas continuam a ter de acordar cedo. Resultado? Uma epidemia silenciosa de privação crónica de sono, com consequências reais para a saúde, o rendimento escolar e o bem-estar mental.

Neste artigo, exploramos as necessidades de sono dos adolescentes, os motivos pelos quais dormem pouco, o impacto da privação de sono e como podemos promover hábitos mais saudáveis e realistas, mesmo em contexto escolar exigente e num mundo hiperconectado.

1. Sono na Adolescência: Quanto é o suficiente?

De acordo com a Academia Americana de Medicina do Sono:

• Adolescentes dos 10 aos 18 anos precisam de 8 a 10 horas de sono por noite para um funcionamento ideal.
• A maioria dorme menos de 7 horas, especialmente nos dias de escola.
• A privação de sono torna-se mais grave à medida que a adolescência avança, com muitos jovens a dormirem apenas 5 a 6 horas por noite. Este défice não é benigno: está associado a maior risco de:

• Depressão e ansiedade
• Défice de atenção e alterações de humor
• Aumento de acidentes (domésticos, rodoviários)
• Obesidade, baixa imunidade, alterações hormonais

2. Por que os adolescentes dormem tão pouco?

a) Mudança fisiológica do ritmo circadiano

- Com a puberdade, o relógio biológico sofre um “atraso natural”. A produção de melatonina (hormona do sono) só aumenta por volta das 23h ou mais. Isto significa que o adolescente só sente sono verdadeiramente tarde – não por teimosia, mas por alteração neurobiológica.

b) Pressão escolar e carga de estudo

- O horário escolar começa cedo, mas o volume de tarefas e testes obriga muitos jovens a estudar até tarde, reduzindo o tempo de sono efetivo.

c) Uso de ecrãs e redes sociais

- A luz azul dos ecrãs inibe a melatonina, dificultando o adormecer. Além disso, o conteúdo consumido online é altamente estimulante. Muitos adolescentes passam horas em redes sociais ou videojogos... à custa do sono.

d) Vida social e necessidade de autonomia

- Sair à noite, conversar com amigos, ver séries – tudo isto ganha peso na adolescência. A cama deixa de ser prioridade.

e) Falta de valorização do sono

- Dormir é muitas vezes visto como perda de tempo. Poucos adolescentes associam o sono a melhor rendimento escolar, humor, saúde da pele, forma física ou regulação emocional.

3. As Consequências da Privação de Sono

A privação crónica de sono não é apenas “estar mais cansado”:

• A nível cognitivo: memória fraca, concentração reduzida, dificuldade em tomar decisões.
• A nível emocional: irritabilidade, baixa tolerância à frustração, risco aumentado de depressão.
• A nível físico: alterações hormonais, aumento de peso, menor resistência imunológica.
• A nível social: menor controlo impulsivo, conflitos familiares, isolamento.
• A nível académico: menor rendimento, maior risco de reprovações, desmotivação.

Adolescentes privados de sono são mais propensos a acidentes, automutilação, uso de substâncias e comportamentos de risco.

4. Estratégias para uma Higiene do Sono Realista e Saudável

a) Negociar horários consistentes

• Estabelecer uma hora de deitar realista (ex.: entre as 22h30 e 23h30), que permita 8 horas de sono antes de acordar.
• Permitir variações aos fins de semana, mas não superiores a 1-2 horas – evitar o chamado “jet lag social”.

b) Reduzir ecrãs antes de dormir

• Idealmente, sem telemóvel, tablet ou computador na hora antes de deitar.
• Se possível, deixar o telemóvel a carregar fora do quarto.
• Explicar ao jovem o impacto da luz azul e da hiperconectividade no sono – educar para a autonomia, em vez de proibir cegamente.

c) Ambiente de sono adequado

• Quarto escuro (usar cortinas blackout se necessário).
• Temperatura confortável e ruído mínimo.
• Colchão adequado à idade e posição de dormir preferida.
• Evitar fazer o quarto um centro de entretenimento (TV, consola, computador fixo...).

d) Evitar estimulantes

• Reduzir ou abolir o consumo de café, chá preto, bebidas energéticas ou chocolate à noite.
• Também o uso de nicotina e álcool, ainda que pontual, interfere negativamente com o sono.

e) Incluir momentos de relaxamento

• Antes de dormir: leitura, banho quente, respiração profunda, música suave, escrita livre ou
diário.
• Ensinar o adolescente a "desligar a mente" progressivamente.

f) Evitar sestas longas ao final do dia

• Se houver muita sonolência, permitir uma sesta curta (20-30 minutos), nunca após as 17h.

g) Valorizar o sono como base para o sucesso

• Mostrar que dormir bem melhora a memória, o foco, o humor... e até a pele!
• Estimular a perceção de causa-efeito: “Dormiste pouco ontem, como te sentiste hoje?”
• Envolver o jovem na criação do seu plano de sono.

5. Papel dos Pais: Limites com Compreensão

Apesar da maior autonomia, os adolescentes ainda precisam de apoio para criar bons hábitos:

• Não rotular o jovem de “preguiçoso” se quiser dormir mais ao fim de semana – ele está a recuperar o sono perdido.
• Estar atento a sinais de alerta: sonolência constante, mudanças de humor, insucesso escolar, isolamento.
• Estabelecer limites coerentes com flexibilidade – por exemplo, regras para o uso de ecrãs, tempo de estudo, hora de deitar.
• Ter conversas abertas sobre o impacto real do sono na vida quotidiana.

6. Quando procurar ajuda profissional?

Se, apesar de uma boa higiene do sono:

• O adolescente demora sempre mais de 1-2 horas a adormecer;
• Acorda exausto mesmo após dormir muitas horas;
• Dorme bem nos fins de semana, mas não consegue dormir cedo durante a semana;
• Manifesta irritabilidade extrema, tristeza persistente ou desmotivação escolar;

Pode haver um distúrbio do ritmo circadiano, insónia ou uma condição associada (depressão, ansiedade). Nestes casos, o apoio médico e psicológico é essencial.

7. Conclusão

A adolescência não é só um tempo de mudanças: é também uma oportunidade de criar hábitos duradouros. Dormir bem é uma ferramenta poderosa de autocuidado, saúde e rendimento. Cabe-nos a nós – pais, cuidadores, professores – trazer o sono de volta à agenda das prioridades adolescentes.

A ajuda começa com o exemplo, continua com o diálogo e fortalece-se com empatia.



Como lida com o sono aí em casa? O seu adolescente é do tipo “coruja” ou “cotovia”? Conte-nos nos comentários – todas as estratégias contam!

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