sábado, 12 de abril de 2025

Sono em idade pediátrica: do Recém-Nascido aos 3 meses.

Nas primeiras semanas de vida, o sono do bebé é, para muitos pais, um dos maiores desafios e também uma das maiores fontes de preocupação. Será normal acordar tantas vezes? Deverá dormir mais? Como criar hábitos saudáveis se tudo parece tão instável? Neste artigo, vamos explorar com profundidade como funciona o sono no recém-nascido (dos 0 aos 3 meses), o que é esperado nesta fase, que sinais indicam um padrão normal e o que podemos fazer desde cedo para promover uma boa higiene do sono. Esta é uma etapa de transição em que o objetivo não é ter noites inteiras de descanso – mas sim lançar as bases para que isso se torne possível nos meses seguintes.

O SONO NORMAL NO RECÉM-NASCIDO

Duração e estrutura do sono

Os recém-nascidos precisam de sono – entre 14 e 17 horas por dia, segundo a Academia Americana de Medicina do Sono. Mas este tempo não é concentrado num período noturno longo. Em vez disso, é distribuído por vários blocos curtos ao longo das 24 horas.

Isto acontece porque o sono do recém-nascido é polifásico: o bebé adormece e acorda frequentemente, sem ainda distinguir o dia da noite. Os ciclos de sono são curtos (cerca de 50 minutos) e dividem-se em:

  1. Sono ativo (REM): o bebé pode mexer os olhos, fazer expressões faciais ou até pequenos sons.
  2. Sono tranquilo (não-REM): fase mais profunda, com respiração regular e menor movimentação.

Metade do tempo é passado em sono REM, o que tem um papel importante no desenvolvimento cerebral.

A imaturidade do ritmo biológico

O chamado ritmo circadiano, que regula o ciclo sono-vigília, ainda está em formação. A produção da hormona melatonina, que favorece o sono noturno, só começa a organizar-se por volta das 6-8 semanas. Por isso, é absolutamente normal que os bebés acordem de 2 em 2 ou 3 em 3 horas para mamar, independentemente de ser dia ou noite.

Variação individual

Há bebés que, aos 2-3 meses, já fazem blocos de 6-8 horas de sono à noite. Outros continuam a acordar com frequência. Esta variação é normal. Até cerca dos 3 meses, não se espera que a maioria durma a noite toda. A maturidade neurológica e a necessidade de alimentação frequente impedem jejuns noturnos longos.

EVOLUÇÃO NATURAL DO SONO ATÉ AOS 3 MESES

Durante o primeiro mês, começam a surgir indícios de uma maior consolidação do sono noturno:

  1. A partir das 4 semanas, alguns bebés começam a dormir 4-5 horas seguidas à noite.
  2. Aos 2 meses, é comum surgirem períodos de sono noturno mais longos e uma diminuição das sestas durante o dia.
  3. Perto dos 3 meses, o bebé tende a fazer um bloco de sono mais prolongado durante a noite, sinalizando o início da organização do relógio biológico.

A alimentação continua a ser um fator determinante nos despertares, mas o conforto, o ambiente e as rotinas começam a influenciar também.

ESTRATÉGIAS DE HIGIENE DO SONO PARA O RECÉM-NASCIDO

A palavra de ordem é ritmo com flexibilidade. Apesar da imaturidade do sistema do bebé, os pais podem começar desde cedo a introduzir práticas que facilitam a adaptação natural ao ciclo dia-noite.

a) Ambiente de sono seguro e acolhedor

  1. Dormir sempre de costas, sobre um colchão firme, num berço sem almofadas, peluches ou cobertores soltos.
  2. Temperatura ideal entre 18 e 21ºC.
  3. Ambiente calmo, com ruído branco natural (ventilador suave, por exemplo) se necessário.

Estas medidas reduzem o risco de Síndrome da Morte Súbita do Lactente e aumentam o conforto.

b) Distinguir dia e noite

  1. Durante o dia, manter a casa com luz natural, barulhos habituais, interações e brincadeiras.
  2. Durante a noite, baixar luzes e ruído, minimizar estímulos durante a amamentação ou mudança de fralda.

Esta diferenciação simples ajuda o cérebro do bebé a reconhecer os ciclos de claro e escuro.

c) Observar sinais de sono

Ficar atento a sinais como bocejos, olhos vermelhos, esfregar os olhos, ou perder o interesse por estímulos. Um bebé cansado demais terá mais dificuldade em adormecer, por isso é preferível colocá-lo no berço antes de estar demasiado exausto.

d) Estabelecer um mini ritual noturno

  1. Mesmo com semanas de vida, o bebé pode começar a beneficiar de uma sequência repetida antes de dormir: banho morno, pijama, canção, luz suave, mamada.
  2. Esta rotina, repetida diariamente, ajuda o cérebro a associar essas ações ao momento de descanso.

e) Estimular adormecer no berço

  1. Se possível, colocar o bebé no berço ainda acordado, mas sonolento.
  2. Isto favorece o autoconforto e reduz a dependência de embalo ou alimentação para adormecer.

f) Garantir conforto básico

  1. Verificar fralda, temperatura corporal, fome ou cólicas.
  2. Muitas vezes, despertares precoces estão ligados a desconforto facilmente resolvido.


CONCLUSÃO

O sono do recém-nascido é um mundo próprio, que exige paciência, observação e carinho. Compreender a fisiologia do sono nos primeiros 3 meses ajuda os pais a ajustarem expectativas, reduzindo a ansiedade e fortalecendo o vínculo com o bebé. Embora não haja fórmulas mágicas para fazer um bebé dormir, há rotinas e cuidados que ajudam – e muito – a construir noites mais serenas no futuro.

Tem alguma rotina que resultou especialmente bem aí em casa? Partilhe nos comentários. Estamos sempre a aprender uns com os outros!


 

 

 

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 3 de 3. Tratamento, Prognóstico e Vida quotidiana

Após recebermos o diagnóstico de epilepsia do nosso filho, surge inevitavelmente a questão: "E agora? Como será o futuro da nossa criança?" Tenho uma mensagem tranquilizadora para vos transmitir: na grande maioria dos casos, a epilepsia pode ser eficazmente controlada, permitindo que a criança desfrute plenamente da sua infância: brincando, aprendendo, fazendo amizades e desenvolvendo-se harmoniosamente. Neste artigo, abordaremos o tratamento, as perspetivas futuras e estratégias práticas para o quotidiano.

A abordagem terapêutica varia conforme o tipo de epilepsia, a idade da criança e as características especificas das crises.
  • Medicação Antiepilética (MAE): A maioria das crianças inicia tratamento com fármacos que visam reduzir ou eliminar as crises. O objetivo é alcançar o controlo eficaz com a menor dose possível, minimizando potenciais efeitos secundários.
  • Intervenção Cirúrgica: Em situações selecionadas, quando as crises são difíceis de controlar e têm uma origem bem localizada, a cirurgia pode representar uma alternativa terapêutica.
  • Abordagens complementares:
    • Dieta cetogénica: particularmente em epilepsias refratárias
    • Neuroestimulação: em casos específicos
É fundamental compreender que o tratamento é sempre personalizado, adaptando-se às necessidades particulares de cada criança e família.

Perspetivas futuras: o que podemos esperar?
Muitas crianças conseguem ficar livres de crises com o tratamento adequado
• Algumas formas de epilepsia resolvem-se espontaneamente com o crescimento
• Outras podem necessitar de tratamento prolongado, mas permitindo uma qualidade de vida satisfatória
• Raramente, a epilepsia pode apresentar-se mais resistente ao tratamento, mas mesmo nestas situações, é possível reduzir a frequência e intensidade das crises com o acompanhamento apropriado

O quotidiano com epilepsia
A epilepsia é apenas uma parte da vida da criança, não a sua definição completa. Com orientação adequada e pequenas adaptações, ela pode participar ativamente nas atividades escolares, lúdicas e sociais.
 
Ambiente escolar e aprendizagem 
  • Informe educadores e professores sobre a condição da criança.
  • Oriente-os quanto aos procedimentos a adotar em caso de crise. 
  • Mantenha comunicação regular com a equipa educativa. 

 Atividade física

  • A prática desportiva é geralmente possível e benéfica.
  • Algumas precauções específicas devem ser discutidas com o pediatra ou neuropediatra. 

Desenvolvimento da autonomia

  • Envolva a criança, de acordo com a sua idade, nas decisões relacionadas com a sua saúde.
  • Estimule progressivamente a sua independência. 
  • Orientações práticas para o dia-a-dia. 
  • Estabeleça uma rotina regular de sono. 
  • Assegure a administração correta da medicação. 
  • Tenha sempre consigo informação essencial sobre a criança (tipo de epilepsia, medicaçãoe contactos de emergência). 
  • Prepare o círculo social próximo para saber agir adequadamente perante uma crise. 
  • Proporcione apoio emocional à criança: escute-a, compreenda as suas preocupações e normalize a sua experiência.

Reflexão final

Viver com epilepsia implica, certamente, alguns ajustes e atenção especial, mas também oferece oportunidades de desenvolvimento da resiliência e crescimento pessoal. Com o apoio integrado da família, da escola e da equipa de saúde, as crianças com epilepsia podem sonhar, concretizar projetos e viver uma vida plena e feliz.


sábado, 5 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 2 de 3. Tipos de crises epiléticas e suas manifestações clínicas.

Quando pensamos em epilepsia, muitos de nós imaginamos imediatamente uma criança com movimentos convulsivos intensos. No entanto, a realidade é muito mais variada e complexa. As crises epiléticas manifestam-se de formas diversas, nem sempre envolvendo movimentos visíveis ou óbvios. Neste artigo, procuro ajudar-vos a reconhecer os principais tipos de crises que podem ocorrer na infância, capacitando-vos para uma observação mais informada e um apoio mais eficaz.

O que é realmente uma crise epilética?

Uma crise epilética resulta de uma atividade elétrica cerebral anormal e súbita. Dependendo da região cerebral afetada, as manifestações podem variar significativamente. Algumas crises são subtis e facilmente confundíveis com outros comportamentos, enquanto outras são mais evidentes e potencialmente impressionantes – todas merecem a nossa atenção cuidada.

Principais Tipos de Crises Epiléticas

1. Crises Focais (ou Parciais)

Têm origem numa região específica do cérebro.

• Podem manifestar-se através de movimentos involuntários num membro ou numa metade do corpo.

• Alterações sensoriais: distúrbios visuais, auditivos ou sensações de formigueiro.

• Em algumas situações, a criança mantém a consciência; noutras, pode ocorrer alteração da mesma.

• Por vezes, estas crises podem evoluir para crises generalizadas, envolvendo progressivamente todo o cérebro.

2. Crises Generalizadas

Envolvem, desde o início, ambos os hemisférios cerebrais. Há perda de consciência.

    1)Crises tónico-clónicas (anteriormente designadas por "grande mal"): 

- A criança perde a consciência, apresenta rigidez inicial (fase tónica) seguida de movimentos rítmicos (fase clónica). 
- Frequentemente associa-se salivação abundante, alterações do olhar e, por vezes, perda de controlo urinário. 
- Após a crise, segue-se habitualmente um período de sonolência ou confusão (fase pós-ictal);
 
 
    2)Crises de ausência (outrora conhecidas como "pequeno mal"):
- Episódios breves (geralmente segundos) de desconexão do ambiente
- Podem ocorrer piscar de olhos ou pequenos movimentos automáticos
- Facilmente confundíveis com momentos de distração ou desatenção

    3)Crises atónicas:
- Caracterizam-se por perda súbita do tónus muscular, podendo resultar em quedas inesperadas

    4)Crises mioclónicas:
- Movimentos bruscos e rápidos, frequentemente nos membros superiores

Como identificar uma crise?

Os pais e cuidadores são observadores privilegiados. Perante a suspeita de uma crise:

• Observe atentamente:
- O que fazia a criança antes da crise? Como se iniciou? Qual a duração aproximada?
- Que movimentos apresentou? Estava consciente? Reagia a estímulos? Respondia verbalmente? Como se encontrava após o episódio?

• Se possível, registe para posterior análise médica;

• Mantenha um registo organizado, anotando data, hora, duração, descrição e contexto de cada episódio.

Lidar com o receio das crises

Mesmo as crises aparentemente mais dramáticas, como as tónico-clónicas, podem ser adequadamente controladas com tratamento apropriado. O fundamental é compreender o que está a acontecer e agir de forma informada e tranquila.

Recomendações práticas

• Nunca introduzir objetos na boca da criança durante uma crise

• Colocar a criança em posição lateral de segurança e proteger a cabeça

• Manter a calma — frequentemente, o aspeto das crises é mais impressionante do que o

risco real

• Comunicar sempre com o pediatra ou neurologista após um novo episódio

Uma palavra final

Reconhecer adequadamente o tipo de crise epilética não é responsabilidade exclusiva dos profissionais de saúde. Os pais e cuidadores desempenham um papel fundamental neste processo, permitindo um diagnóstico mais preciso e, consequentemente, uma abordagem terapêutica mais eficaz.

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