segunda-feira, 7 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 3 de 3. Tratamento, Prognóstico e Vida quotidiana

Após recebermos o diagnóstico de epilepsia do nosso filho, surge inevitavelmente a questão: "E agora? Como será o futuro da nossa criança?" Tenho uma mensagem tranquilizadora para vos transmitir: na grande maioria dos casos, a epilepsia pode ser eficazmente controlada, permitindo que a criança desfrute plenamente da sua infância: brincando, aprendendo, fazendo amizades e desenvolvendo-se harmoniosamente. Neste artigo, abordaremos o tratamento, as perspetivas futuras e estratégias práticas para o quotidiano.

A abordagem terapêutica varia conforme o tipo de epilepsia, a idade da criança e as características especificas das crises.
  • Medicação Antiepilética (MAE): A maioria das crianças inicia tratamento com fármacos que visam reduzir ou eliminar as crises. O objetivo é alcançar o controlo eficaz com a menor dose possível, minimizando potenciais efeitos secundários.
  • Intervenção Cirúrgica: Em situações selecionadas, quando as crises são difíceis de controlar e têm uma origem bem localizada, a cirurgia pode representar uma alternativa terapêutica.
  • Abordagens complementares:
    • Dieta cetogénica: particularmente em epilepsias refratárias
    • Neuroestimulação: em casos específicos
É fundamental compreender que o tratamento é sempre personalizado, adaptando-se às necessidades particulares de cada criança e família.

Perspetivas futuras: o que podemos esperar?
Muitas crianças conseguem ficar livres de crises com o tratamento adequado
• Algumas formas de epilepsia resolvem-se espontaneamente com o crescimento
• Outras podem necessitar de tratamento prolongado, mas permitindo uma qualidade de vida satisfatória
• Raramente, a epilepsia pode apresentar-se mais resistente ao tratamento, mas mesmo nestas situações, é possível reduzir a frequência e intensidade das crises com o acompanhamento apropriado

O quotidiano com epilepsia
A epilepsia é apenas uma parte da vida da criança, não a sua definição completa. Com orientação adequada e pequenas adaptações, ela pode participar ativamente nas atividades escolares, lúdicas e sociais.
 
Ambiente escolar e aprendizagem 
  • Informe educadores e professores sobre a condição da criança.
  • Oriente-os quanto aos procedimentos a adotar em caso de crise. 
  • Mantenha comunicação regular com a equipa educativa. 

 Atividade física

  • A prática desportiva é geralmente possível e benéfica.
  • Algumas precauções específicas devem ser discutidas com o pediatra ou neuropediatra. 

Desenvolvimento da autonomia

  • Envolva a criança, de acordo com a sua idade, nas decisões relacionadas com a sua saúde.
  • Estimule progressivamente a sua independência. 
  • Orientações práticas para o dia-a-dia. 
  • Estabeleça uma rotina regular de sono. 
  • Assegure a administração correta da medicação. 
  • Tenha sempre consigo informação essencial sobre a criança (tipo de epilepsia, medicaçãoe contactos de emergência). 
  • Prepare o círculo social próximo para saber agir adequadamente perante uma crise. 
  • Proporcione apoio emocional à criança: escute-a, compreenda as suas preocupações e normalize a sua experiência.

Reflexão final

Viver com epilepsia implica, certamente, alguns ajustes e atenção especial, mas também oferece oportunidades de desenvolvimento da resiliência e crescimento pessoal. Com o apoio integrado da família, da escola e da equipa de saúde, as crianças com epilepsia podem sonhar, concretizar projetos e viver uma vida plena e feliz.


sábado, 5 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 2 de 3. Tipos de crises epiléticas e suas manifestações clínicas.

Quando pensamos em epilepsia, muitos de nós imaginamos imediatamente uma criança com movimentos convulsivos intensos. No entanto, a realidade é muito mais variada e complexa. As crises epiléticas manifestam-se de formas diversas, nem sempre envolvendo movimentos visíveis ou óbvios. Neste artigo, procuro ajudar-vos a reconhecer os principais tipos de crises que podem ocorrer na infância, capacitando-vos para uma observação mais informada e um apoio mais eficaz.

O que é realmente uma crise epilética?

Uma crise epilética resulta de uma atividade elétrica cerebral anormal e súbita. Dependendo da região cerebral afetada, as manifestações podem variar significativamente. Algumas crises são subtis e facilmente confundíveis com outros comportamentos, enquanto outras são mais evidentes e potencialmente impressionantes – todas merecem a nossa atenção cuidada.

Principais Tipos de Crises Epiléticas

1. Crises Focais (ou Parciais)

Têm origem numa região específica do cérebro.

• Podem manifestar-se através de movimentos involuntários num membro ou numa metade do corpo.

• Alterações sensoriais: distúrbios visuais, auditivos ou sensações de formigueiro.

• Em algumas situações, a criança mantém a consciência; noutras, pode ocorrer alteração da mesma.

• Por vezes, estas crises podem evoluir para crises generalizadas, envolvendo progressivamente todo o cérebro.

2. Crises Generalizadas

Envolvem, desde o início, ambos os hemisférios cerebrais. Há perda de consciência.

    1)Crises tónico-clónicas (anteriormente designadas por "grande mal"): 

- A criança perde a consciência, apresenta rigidez inicial (fase tónica) seguida de movimentos rítmicos (fase clónica). 
- Frequentemente associa-se salivação abundante, alterações do olhar e, por vezes, perda de controlo urinário. 
- Após a crise, segue-se habitualmente um período de sonolência ou confusão (fase pós-ictal);
 
 
    2)Crises de ausência (outrora conhecidas como "pequeno mal"):
- Episódios breves (geralmente segundos) de desconexão do ambiente
- Podem ocorrer piscar de olhos ou pequenos movimentos automáticos
- Facilmente confundíveis com momentos de distração ou desatenção

    3)Crises atónicas:
- Caracterizam-se por perda súbita do tónus muscular, podendo resultar em quedas inesperadas

    4)Crises mioclónicas:
- Movimentos bruscos e rápidos, frequentemente nos membros superiores

Como identificar uma crise?

Os pais e cuidadores são observadores privilegiados. Perante a suspeita de uma crise:

• Observe atentamente:
- O que fazia a criança antes da crise? Como se iniciou? Qual a duração aproximada?
- Que movimentos apresentou? Estava consciente? Reagia a estímulos? Respondia verbalmente? Como se encontrava após o episódio?

• Se possível, registe para posterior análise médica;

• Mantenha um registo organizado, anotando data, hora, duração, descrição e contexto de cada episódio.

Lidar com o receio das crises

Mesmo as crises aparentemente mais dramáticas, como as tónico-clónicas, podem ser adequadamente controladas com tratamento apropriado. O fundamental é compreender o que está a acontecer e agir de forma informada e tranquila.

Recomendações práticas

• Nunca introduzir objetos na boca da criança durante uma crise

• Colocar a criança em posição lateral de segurança e proteger a cabeça

• Manter a calma — frequentemente, o aspeto das crises é mais impressionante do que o

risco real

• Comunicar sempre com o pediatra ou neurologista após um novo episódio

Uma palavra final

Reconhecer adequadamente o tipo de crise epilética não é responsabilidade exclusiva dos profissionais de saúde. Os pais e cuidadores desempenham um papel fundamental neste processo, permitindo um diagnóstico mais preciso e, consequentemente, uma abordagem terapêutica mais eficaz.

terça-feira, 1 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 1 de 3: O que é?

Quando recebemos a notícia de que um filho tem epilepsia, é natural sentirmos uma mistura de preocupação e incerteza. Como pediatra que acompanha famílias nesta situação, gostaria de vos oferecer informação clara e fundamentada que vos ajude a compreender melhor esta condição e a encontrar segurança no caminho a percorrer.

O que é realmente a Epilepsia?
A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada por uma predisposição continuada do cérebro para gerar crises epiléticas. É importante esclarecer: uma única convulsão, mesmo que intensa, não significa necessariamente epilepsia.

Falamos de epilepsia quando as crises ocorrem de forma repetida sem que haja uma causa temporária identificável (como febre alta, traumatismo recente ou uma infeção aguda).
Não nos referimos a uma doença única, mas sim a um conjunto de situações clínicas com diferentes manifestações, causas e prognósticos. Muitas formas são transitórias e a maioria das crianças com epilepsia consegue levar uma vida plena e equilibrada com o acompanhamento adequado.


Causas mais frequentes
A epilepsia pode manifestar-se em qualquer idade, sendo particularmente comum na primeira infância. Entre as principais causas encontramos:
• Idiopática — sem causa identificável, frequentemente com um cérebro estruturalmente normal
• Genética — algumas epilepsias têm base hereditária, o que não implica "responsabilidade" de ninguém
• Alterações do desenvolvimento cerebral — malformações ou lesões ocorridas antes, durante ou após o nascimento
• Traumatismos — lesões que afetam o tecido cerebral
• Infeções ou processos inflamatórios — como meningites ou encefalites
É reconfortante saber que, mesmo quando não se consegue identificar uma causa específica após todos os exames, isso não impede que se consiga um tratamento eficaz e uma vida equilibrada.

Como se estabelece o diagnóstico?
O diagnóstico da epilepsia é fundamentalmente clínico, baseando-se na descrição detalhada das crises. É aqui que o vosso papel como pais ou cuidadores se torna essencial.
Aspectos importantes a observar:
• Como se inicia a crise? Afeta um lado específico ou todo o corpo?
• Ocorrem alterações no olhar? Salivação aumentada? Rigidez? Movimentos involuntários?
• Qual a duração aproximada?
• Como fica a criança após a crise? Sonolenta? Confusa? Recupera rapidamente?
Estes pormenores são valiosos para o pediatra ou neurologista.
Após a avaliação clínica inicial, poderão ser necessários:
• EEG (eletroencefalograma): para avaliar a atividade elétrica cerebral
• Neuroimagem (geralmente ressonância magnética): para identificar possíveis alterações estruturais
• Outros exames complementares, conforme a situação específica

O diagnóstico não define o futuro
É fundamental compreendermos que o diagnóstico de epilepsia não determina limitações definitivas na vida da criança. A maioria consegue um bom controlo das crises e mantém todas as suas atividades normais – escola, brincadeiras e até desporto.
A atitude informada e positiva de quem cuida faz uma diferença extraordinária. Conhecer a condição, saber como agir e a quem recorrer proporciona segurança tanto à criança como a toda a família.
Orientações práticas para o dia-a-dia
• Mantenha a serenidade possível durante uma crise
• Observe e, se possível, registe o episódio para posterior descrição médica
• Partilhe experiências com outros pais que vivem situações semelhantes
• Não hesite em solicitar apoio profissional, tanto médico como emocional

Uma nota final
A epilepsia representa um desafio, sem dúvida, mas com conhecimento, acompanhamento médico adequado e muito afeto, é possível viver bem com este diagnóstico. Nos próximos artigos, continuaremos a explorar os tipos de crises epiléticas e aspectos práticos da vida quotidiana da criança com epilepsia.

O luto na infância - como lidar de forma consciente

A parentalidade consciente convida-nos a estar verdadeiramente presentes e acolher as emoções das crianças com empatia e autenticidade. No l...