segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O luto na infância - como lidar de forma consciente




A parentalidade consciente convida-nos a estar verdadeiramente presentes e acolher as emoções das crianças com empatia e autenticidade. No luto, isso é especialmente importante.


Partilhamos neste artigo alguns princípios fundamentais:

- Honestidade emocional

Não esconda a sua própria tristeza. As crianças precisam ver que adultos também sentem e que está tudo bem chorar. Isso valida as emoções delas e ensina que os sentimentos difíceis são naturais e podem ser expressos de forma saudável.


- Comunicação clara e apropriada à idade

Use palavras verdadeiras como "morreu" ao invés de eufemismos como "foi viajar" ou "está a  dormir" "está num sono profundo", etc.

    - Adapte a explicação à capacidade de compreensão da criança

    - Permita perguntas repetidas - crianças processam informações aos poucos


- Presença genuína

Estar disponível emocionalmente é mais importante do que ter respostas perfeitas. Sente-se com a criança no desconforto, sem tentar "consertar" rapidamente a dor dela.

    - Como praticar?

        - Valide todos os sentimentos

        "É normal sentir raiva/tristeza/confusão. Não existe nada de errado em sentir saudade."

        - Crie rituais de memória

        Desenhar, fazer um álbum, acender uma vela, plantar uma árvore - rituais ajudam as  crianças a processar concretamente.

        - Mantenha rotinas

        A previsibilidade oferece segurança no meio do caos emocional.

        - Observe sem julgar

        As crianças podem alternar rapidamente entre tristeza profunda e brincadeiras alegres. Isso é saudável e normal.


Se a criança apresentar alteração comportamental significativa, problemas de sono, quebra no rendimento escolar, comportamentos regressivos, isolamento social ou agressividade procure apoio profissional! 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Cigarros Eletrónicos e Vaping: O Perigo Escondido Atrás dos Sabores e do Vapor

O seu filho adolescente chegou a casa com um objeto que parece um pen drive colorido? Ou talvez tenha reparado num aroma adocicado a morango ou baunilha no quarto dele? Atenção: pode não ser um simples gadget tecnológico, mas sim um cigarro eletrónico - também conhecido como vapeNos últimos anos, assistimos a uma verdadeira epidemia silenciosa entre os jovens. Enquanto o tabagismo tradicional diminuía graças a décadas de campanhas de saúde pública, surgiu uma nova ameaça disfarçada de modernidade e "segurança": os dispositivos eletrónicos para fumar. Com design apelativo, sabores doces e uma falsa promessa de serem "menos perigosos", estes aparelhos conquistaram milhões de adolescentes em todo o mundo.

Os números são alarmantes: nos Estados Unidos, apesar de uma redução recente, ainda cerca de 5,9% dos estudantes do ensino básico e secundário usaram cigarros eletrónicos em 2024 - o que representa aproximadamente 1,6 milhões de jovens. No Brasil, um em cada nove adolescentes já experimenta estes dispositivos, sendo o uso cinco vezes superior ao do cigarro tradicional.

O mais preocupante? A maioria dos pais não sabe identificar estes aparelhos, que podem ter o formato de canetas, pen drives, ou até relógios. E muitos jovens nem sequer se consideram "fumadores", ignorando completamente os riscos que correm.

O Que São os Cigarros Eletrónicos?

Os cigarros eletrónicos, conhecidos também como vapes, pods ou DEF (Dispositivos Eletrónicos para Fumar), são aparelhos alimentados por bateria que aquecem uma solução líquida - o chamado e-líquido ou juice - produzindo um vapor ou aerossol que é inalado.

Composição do e-líquido:

  • Nicotina (em concentrações variáveis, muitas vezes superiores às do cigarro tradicional) 
  • Propilenoglicol ou glicerina vegetal
  • Aromatizantes e saborizantes (morango, manga, menta, chocolate, etc.)
  • Substâncias químicas potencialmente tóxicas

A grande diferença do cigarro tradicional: Enquanto quem fuma um maço de cigarros dá cerca de 200-250 inalações por dia, um utilizador de vape pode dar entre 500 a 1500. Além disso, os cigarros convencionais têm um limite de 1 mg de nicotina por unidade no Brasil, mas os vapes podem conter até 57 mg de nicotina por ml de líquido.

Os Riscos para a Saúde dos Jovens

1. Dependência de Nicotina

A nicotina é uma substância altamente viciante que chega ao cérebro em apenas 6 a 10 segundos após a inalação. Nos adolescentes, cujo cérebro ainda está em desenvolvimento até cerca dos 25 anos, a nicotina causa alterações permanentes no sistema nervoso central, afetando:
  1. Memória e concentração
  2. Controlo dos impulsos
  3. Humor e comportamento
  4. Risco aumentado de dependência futura de outras substâncias

2. Doenças Pulmonares Graves

EVALI (Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrónico): Esta doença grave surgiu em 2019 nos Estados Unidos, afetando principalmente jovens. Os sintomas incluem:

  • Tosse persistente Falta de ar
  • Dor torácica
  • Febre e calafrios
  • Náuseas, vómitos e diarreia
  • Pneumonia grave que pode evoluir rapidamente

"Pulmão de Pipoca" (Bronquiolite Obliterante): Alguns líquidos contêm diacetil e outras substâncias que, quando inaladas, causam inflamação e cicatrizes irreversíveis nos brônquios mais pequenos, levando a dificuldade respiratória permanente.

Outras complicações respiratórias:

  • Bronquite crónica Asma
  • Enfisema pulmonar Pneumonia

3. Risco Cardiovascular

A nicotina e outras substâncias presentes no vapor aumentam:

  1. Frequência cardíaca
  2. Pressão arterial
  3. Risco de arritmias
  4. Risco de enfarte do miocárdio (mesmo em jovens)

4. Risco de Cancro

Os e-líquidos contêm substâncias cancerígenas como:

  • Formaldeído
  • Acetaldeído
  • Acroleína
  • Metais pesados (chumbo, cádmio, urânio)
  • Nitrosaminas

Estudos já associam o uso de vapes a maior risco de cancro de pulmão, bexiga, esófago e estômago.

5. Porta de Entrada para o Tabagismo Tradicional

Contrariamente ao que muitos pensam, os cigarros eletrónicos não ajudam a parar de fumar. Na verdade, adolescentes que começam com vapes têm quatro vezes mais probabilidade de iniciarem o consumo de cigarros tradicionais.

Como os Pais Podem Identificar o Uso?

Sinais Físicos:

  • Tosse persistente sem causa aparente 
  • Falta de ar ou dificuldade respiratória 
  • Rouquidão
  • Sangramento nasal frequente
  • Feridas ou irritação na boca 
  • Aumento da sede Hemorragias nasais

Sinais Comportamentais:

  • Necessidade frequente de carregar dispositivos eletrónicos estranhos
  • Aromas adocicados (morango, baunilha, manga) em roupas, cabelo ou quarto 
  • Aumento de gastos inexplicáveis
  • Comportamento mais reservado ou isolamento
  • Irritabilidade ou mudanças de humor (sintomas de abstinência)
  • Procura frequente de privacidade (especialmente na casa de banho)

Objetos Suspeitos:

  • Aparelhos que parecem pen drives, canetas, relógios ou outros gadgets 
  • Pequenos frascos de líquidos coloridos
  • Embalagens com designs atrativos e cores vivas
  • Baterias e carregadores USB pequenos

Dicas Práticas para Pais: Prevenção e Intervenção

1. Comunique Abertamente

  • Converse sobre o tema antes que surjam suspeitas
  • Explique os riscos de forma clara e baseada em factos
  • Evite abordagens alarmistas ou punitivas que fechem o diálogo
  • Partilhe histórias reais de jovens afetados
  • Mostre que compreende a pressão dos pares, mas reforce que a saúde vem primeiro

2. Esteja Atento às Redes Sociais

  • Os vapes são promovidos intensamente no TikTok, Instagram e YouTube
  • Influencers promovem estes produtos como "modernos" e "seguros"
  • Converse sobre publicidade enganosa e marketing dirigido a jovens
  • Supervisione (sem invadir a privacidade) o conteúdo que o seu filho consome online

3. Dê o Exemplo

  • Se fuma (cigarro tradicional ou eletrónico), considere parar 
  • Mostre alternativas saudáveis para gerir o stress
  • Seja coerente entre o que diz e o que faz

4. Conheça os Amigos do Seu Filho

  • Mantenha contacto com outros pais
  • Organize atividades em grupo que permitam conhecer as amizades 
  • Esteja atento a mudanças no círculo social

5. Procure Ajuda Profissional

Se suspeita que o seu filho usa vapes, não hesite em consultar o pediatra Programas de cessação tabágica também funcionam para cigarros eletrónicos O apoio psicológico pode ser fundamental para compreender as motivações Em caso de sintomas respiratórios, procure avaliação médica urgente

6. Estabeleça Regras Claras

  • Defina consequências claras e consistentes
  • Reforce comportamentos positivos
  • Mantenha uma presença interessada mas não invasiva

7. Promova Atividades Saudáveis

  • Incentive desporto e atividades físicas
  • Apoie hobbies e interesses
  • Fortaleça a autoestima através de conquistas reais 
  • Crie momentos de lazer familiar

Contexto Legal em Portugal e no Mundo

Em Portugal: A venda de cigarros eletrónicos com nicotina é regulamentada, sendo proibida a venda a menores de 18 anos. No entanto, a fiscalização é difícil, especialmente com as vendas online.

No Brasil: A ANVISA proíbe a comercialização, importação e propaganda de todos os dispositivos eletrónicos para fumar desde 2009. Contudo, o uso pessoal não é banido, e o acesso através da internet ou comércio informal continua facilitado.

Nos Estados Unidos: Após uma epidemia de uso juvenil que atingiu 27,5% dos adolescentes em 2019, a FDA (Food and Drug Administration) implementou regulamentação rigorosa, conseguindo reduzir o consumo para 5,9% em 2024. A marca Elf Bar, por exemplo, viu a sua popularidade cair 36% após advertências às lojas.

Conclusão

Os cigarros eletrónicos não são a alternativa "segura" que a indústria promete. São, na verdade, uma nova estratégia para viciar uma nova geração em nicotina, disfarçada de tecnologia moderna e sabores apelativos.

Como pais e cuidadores, temos a responsabilidade de:

  1. Informar os nossos jovens sobre os riscos reais 
  2. Estar atentos aos sinais de uso
  3. Dialogar abertamente sem julgamento 
  4. Procurar ajuda quando necessário

Dar o exemplo de escolhas saudáveis

Lembre-se: não existe nível seguro de consumo de nicotina para crianças e adolescentes. O cérebro jovem é particularmente vulnerável aos efeitos desta substância, e as consequências podem ser permanentes. O vapor pode parecer inofensivo, mas os danos são muito reais. Proteja os seus filhos através da informação, do diálogo e da vigilância atenta mas respeitosa.

Participe!

E você, já conversou com os seus filhos sobre os riscos dos cigarros eletrónicos?

Partilhe connosco a sua experiência nos comentários:

  • Já encontrou um vape entre os pertences do seu filho? Como abordou o tema?
  • Que dificuldades enfrentou?
  • Que estratégias funcionaram?

A sua história pode ajudar outras famílias!

Tem dúvidas sobre este tema? Deixe a sua questão nos comentários. A equipa da Clínica Pediátrica Coronado está aqui para ajudar.


Referências e Fontes

  1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Electronic cigarette use among adults in the United States, 2019–2023. NCHS Data Brief, no 524. Janeiro 2025.

  2. Food and Drug Administration (FDA). National Youth Tobacco Survey 2024. Estados Unidos, 2024.

  3. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Alertas sobre EVALI - Doença Pulmonar Associada ao Uso de

    Dispositivos Eletrónicos para Fumar.

  4. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Posicionamento sobre cigarros eletrónicos.

  5. Organização Mundial de Saúde (OMS). Relatório sobre dispositivos eletrónicos para fumar, 2024.

  6. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução sobre proibição de dispositivos eletrónicos para fumar no Brasil,

    2009.

  7. Terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD 3). Dados sobre uso de cigarro eletrónico entre adolescentes

    brasileiros, 2022-2024.

  8. Tobacco Control Journal. Estudo sobre exposição a metais tóxicos em adolescentes usuários de vapes, 2024. 

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

PHDA - Dentro de um Coração Inquieto

 PHDA - Dentro de um Coração Inquieto




      Uma criança com Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) enfrenta diariamente desafios invisíveis aos olhos de muitos. Entre a agitação interior e a constante luta pela concentração, carrega o peso de um mundo que nem sempre entende a sua forma única de estar e sentir. Enquanto os outros exigem silêncio, foco e autocontrolo, ela trava uma batalha silenciosa contra impulsos que não escolhe ter. Cada tarefa simples pode transformar-se num obstáculo, e cada crítica deixa uma marca na sua frágil autoestima. "Só não consegues porque não queres" - afirmam repetitivamente. E é verdade muitas vezes. Só quem conhece e compreende bem a PHDA sabe da extrema dificuldade em iniciar ou manter-se numa tarefa sem motivação alguma...chamem a dopamina por favor!!! Questões de ordem neurológica infelizmente confundem-se com personalidade, com "malandrice...". 


        Na escola, o esforço é duplo: tentar acompanhar o ritmo dos colegas enquanto lida com o excesso de atenção a todos os estímulos à sua volta, a impaciência e a dificuldade em permanecer quieta. Ao ser repreendida por comportamentos que não consegue controlar, sente-se diferente, isolada e, muitas vezes, injustiçada. A frustração por não corresponder às expectativas transforma-se em tristeza e num sentimento de inadequação que a faz duvidar do seu próprio valor. 


        Em casa, os dias oscilam entre tentativas de foco e desânimo. Cada crítica, mesmo que bem-intencionada, reforça a sensação de ser “demais”, “difícil” ou “irresponsável”. Ainda assim, e às vezes com o seu tão frequente olhar vazio, essa criança continua a tentar — uma e outra vez — moldar-se a um mundo que parece exigir-lhe o impossível. Dentro dela há uma força que resiste: a vontade de provar que é capaz, apesar das suas diferenças. Quanta resiliência!!!! 


        No fundo, o que a criança com PHDA mais precisa não é de reprovações, mas de compreensão e apoio. Precisa que vejam o seu esforço e reconheçam que cada pequeno progresso é fruto de uma imensa coragem. Precisam que alguém as ajude com o "sistema de travões" quando a impulsividade domina ou redirecione o seu "GPS" já que tantas vezes se perdem no decorrer das atividades diárias. Precisam de um parceiro de responsabilidades, isto é, alguém que atua como um guia externo para as funções executivas (planeamento, organização, autocontrolo) que são mais frágeis numa criança com PHDA. Esta parceria não só ajuda na conclusão de tarefas, mas também ensina à criança, de forma gradual e consistente, as competências de que necessita para se tornar mais independente e confiante. 

            Por trás de cada impulso, há um coração que apenas quer ser aceite e amado! 

Um apelo a todos os pais e professores que acompanham estas crianças: 

não os deixem sós com as suas lutas! 

Pode demorar e ser exigente, mas o retorno virá e não raras vezes até na idade adulta surge o reconhecimento de um adulto que acreditou e manteve-se firme, sem nunca questionar ou duvidar do valor daquela criança! Ela é muito mais que os seus desafios, mostrem-lhe isso e sobretudo e sem hesitação, reforcem as suas qualidades e talentos naturais, os seus interesses!!! Quando os descobrem e decidem seguir esse caminho ... são imparáveis, apaixonados e intensamente dedicados! Facilmente se tornarão os melhores dos melhores!!!

domingo, 5 de outubro de 2025

BRONQUIOLITE: O QUE OS PAIS PRECISAM DE SABER

 A bronquiolite é uma das principais causas de hospitalização em bebés durante o outono e inverno. Conhecer os sinais e saber como agir pode fazer toda a diferença para ajudar o vosso filho a recuperar bem.

O que é a Bronquiolite?

É uma infeção viral que afeta os bronquíolos (pequenos canais de ar nos pulmões), causando inflamação, inchaço e acumulação de muco que dificultam a respiração, especialmente nos mais pequenos.

Principal agente:

Vírus Sincicial Respiratório (VSR) em 70-80% dos casos. Outros agentes: rinovírus, adenovírus, vírus da gripe.

Maior risco:

Bebés com menos de 6 meses
Prematuros
Doenças cardíacas ou pulmonares crónicas
Sistema imunitário enfraquecido

Exposição ao fumo do tabaco

Como reconhecer a Bronquiolite?

Começa como uma constipação e evolui em 2-3 dias:

Sintomas iniciais:

Corrimento nasal, tosse ligeira, febre baixa (nem sempre) 

Evolução (dias 3-5):

Tosse frequente e intensa
Respiração rápida e superficial
Pieira (som agudo tipo 'assobio')
Tiragem (afundamento do peito entre costelas)
Dificuldade em mamar/comer
Irritabilidade e sono agitado

Sinais de alarme - Procurar urgência:

Lábios ou unhas azulados
Pausas respiratórias (apneia)
Recusa alimentar
Sonolência excessiva
Respiração muito rápida (>60/minuto no bebé)
Gemido ao respirar

Desidratação: boca seca, sem lágrimas, <4 fraldas molhadas/dia

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico:

Essencialmente clínico (história e observação). Casos graves podem necessitar radiografia, teste viral ou oximetria.

Tratamento de suporte (antibióticos NÃO funcionam):

Em casa:

Hidratação frequente
Cabeça elevada 30o
Ambiente húmido
Limpeza nasal com soro antes de comer/dormir
Refeições pequenas e frequentes

Repouso

No hospital (casos graves):

Oxigénio suplementar
Hidratação endovenosa
Monitorização contínua

Aspiração de secreções

Não fazer:

Medicamentos para tosse sem indicação médica
Vaporizações não recomendadas
Fumar perto da criança

Suspender amamentação

Prevenção: como proteger o seu bebé?

Medidas gerais:

Lavagem de mãos
Evitar multidões no inverno
Ambiente sem fumo
Amamentação
Limpeza de brinquedos

Evitar contacto com doentes


VACINAÇÃO ANTI-VSR: A GRANDE NOVIDADE!

Desde 2024, Portugal dispõe do nirsevimab (Beyfortus®), anticorpo monoclonal que oferece proteção durante toda a época VSR.

Não é vacina tradicional, mas anticorpo que confere imunidade passiva imediata e prolongada.

A quem se destina:

Todos os RN e lactentes no 1o ano

Até 24 meses com fatores de risco

Quando:

Nascidos outubro-março: logo após nascimento
Nascidos fora época: antes início circulação vírus

Dose única

Eficácia comprovada:

70-80% redução hospitalizações
75% redução formas graves

Proteção ~5 meses (época completa)

No PNV desde setembro 2024 - GRATUITA!

Evolução habitual

Dias 1-3: início, tipo constipação

Dias 3-5: pico sintomas respiratórios
Dias 5-7: melhoria gradual

Semanas 2-4: resolução (tosse pode persistir)

2-3% necessitam internamento, especialmente <3 meses.

Cuidar em Casa - Dicas Práticas

Hidratação:

Líquidos frequentes (leite materno/fórmula/água). Mamadas mais curtas e frequentes se necessário.

Alimentação:

Pequenas refeições, não forçar, privilegiar líquidos se difícil comer sólidos.

Respiração:

Lavar nariz com soro antes refeições/sono, elevar cabeceira, ar húmido, evitar fumo/irritantes.

Monitorizar:

Frequência respiratória, cor lábios, fraldas molhadas, estado alerta.

Febre:

Paracetamol se desconforto (sob orientação), não agasalhar demais.

Bronquiolite vs. Asma

São condições diferentes que importa distinguir:

Bronquiolite:

É o primeiro episódio de doença respiratória com pieira, sibilância e dificuldade respiratória na infância, provocado por infeção viral. Antes da vacina anti-VSR, era causada maioritariamente pelo Vírus Sincicial Respiratório. Trata-se de um episódio agudo que, na maioria dos casos, não se repete.

Asma infantil:

Refere-se a episódios recorrentes de tosse, sibilância/pieira e dificuldade respiratória, de qualquer causa. O diagnóstico de asma pressupõe pelo menos 3 episódios em 12 meses. É uma doença crónica inflamatória das vias aéreas que requer acompanhamento e tratamento específico.

Relação entre ambas:

Alguns bebés que tiveram bronquiolite podem desenvolver episódios recorrentes de pieira posteriormente. Uma percentagem destes evolui para asma, mas a maioria não.

O acompanhamento pediátrico regular permite identificar precocemente quem beneficia de vigilância mais apertada e tratamento específico.

Conclusão

A bronquiolite é comum e a maioria das crianças supera sem complicações. O essencial é reconhecer os sinais precocemente, saber quando procurar ajuda médica, manter a calma e cuidar com amor.

O nirsevimab representa um avanço significativo na proteção dos bebés contra formas graves de bronquiolite. Fale com o pediatra sobre esta e outras formas de manter o vosso filho saudável.

Partilhem:


JÁ VIVERAM UMA SITUAÇÃO DE BRONQUIOLITE? TÊM DÚVIDAS SOBRE A VACINA ANTI-VSR? OS VOSSOS COMENTÁRIOS AJUDAM-NOS A CRIAR CONTEÚDOS ÚTEIS PARA TODA A COMUNIDADE.



Referências

Direção-Geral da Saúde - Orientações Bronquiolite Sociedade Portuguesa de Pediatria
American Academy of Pediatrics - Clinical Practice Guideline Programa Nacional de Vacinação 2024 

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Pequenas Mentiras, Grandes Lições: Navegando pela Honestidade na Infância

 



Como pais e educadores, a nossa reação instintiva perante uma mentira pode ser de alarme. 
Será que estamos a criar uma criança desonesta? 
A resposta, felizmente, é mais tranquilizadora do que parece! 


 Porque é que as crianças mentem?


    Mentir é, paradoxalmente, um marco importante no desenvolvimento infantil. Quando uma criança de 3 ou 4 anos conta a sua primeira mentira deliberada, ela demonstra habilidades cognitivas sofisticadas: capacidade de imaginação, compreensão de que outras pessoas têm pensamentos diferentes dos seus, e a habilidade de manipular informações para alcançar um objetivo.

    As razões pelas quais as crianças mentem variam conforme a idade e o contexto. Os pequenos entre 2 e 4 anos frequentemente confundem fantasia com realidade - aquele "monstro debaixo da cama" é muito real para eles. Já as crianças maiores podem mentir para evitar consequências, chamar à atenção ou até proteger os sentimentos de alguém. Poderá em casos específicos ocorrer como mecanismo de fuga de uma realidade com a qual a criança tem dificuldade em lidar ou fantasiar como forma de criar uma realidade mais agradável. 


 Como cultivar a Honestidade


    1) Seja um modelo: As crianças são observadoras excepcionais. Se nos veem a mentir ou a inventar desculpas para cancelar compromissos, internalizam que a desonestidade é aceitável em certas situações.

    2) Crie um ambiente seguro para a verdade: Quando uma criança confessa uma traquinice voluntariamente, reconheça a sua honestidade antes de abordar o comportamento problemático. "Obrigada por me contares a verdade. Agora vamos conversar sobre o que aconteceu."

  3) Evite armadilhas: Perguntar "Quem deixou essa desarrumação?" quando já sabe a resposta coloca a criança numa posição difícil. É mais eficaz dizer: "Vejo que está tudo desarrumado para estes lados. Vamos limpar juntos e conversar sobre como evitar isso."

   4) Diferenciação entre fantasia e mentira: Incentive a imaginação, mas ajude a criança a distinguir entre histórias inventadas e relatos factuais. "Que história interessante! Isso aconteceu de verdade ou estás a inventar uma história?"


Como lidar com mentiras recorrentes


    Se mentir se tornou um padrão, é importante investigar as causas subjacentes. A criança está a sentir-se sobrecarregada com expectativas? Tem medo de desiludir alguém? Precisa de mais atenção? Às vezes, mentiras frequentes sinalizam questões emocionais mais profundas que merecem atenção.

    Estabeleça consequências consistentes e lógicas, focando mais na reparação do que na punição. Se a criança mentiu sobre não fazer o TPC, a consequência natural é completar a tarefa, e não ficar sem o tablet durante uma semana.


A Honestidade como valor familiar


    Transforme a honestidade num valor familiar! Conte histórias sobre pessoas que escolheram a verdade mesmo quando foi difícil. Discuta dilemas éticos apropriados para a idade durante o jantar. Mostre que valoriza a coragem moral tanto quanto outras conquistas.

Lembre-se de que mesmo adultos lutam com questões de honestidade. Ensinar as crianças a navegar nessas águas complexas é um processo contínuo que requer paciência, consistência e, acima de tudo, muito amor.


Construir confiança para o futuro


    A relação que construímos com os nossos filhos em torno da verdade hoje moldará a sua integridade futura. Crianças que crescem seguras para serem honestas, mesmo quando cometem erros, desenvolvem uma base sólida para relacionamentos saudáveis e tomada de decisões éticas ao longo da vida.

    A jornada da honestidade infantil não é linear, mas cada pequeno passo - cada verdade difícil compartilhada, cada mentira gentilmente corrigida - constrói o caráter que nossos filhos levarão para o mundo. E isso, definitivamente, vale todo o esforço 💗








sábado, 30 de agosto de 2025

VACINAS: A MELHOR PROTEÇÃO PARA O FUTURO DOS NOSSOS FILHOS 💉🛡️✨

INTRODUÇÃO 🌟

As vacinas representam uma das maiores conquistas da medicina moderna e uma das intervenções de saúde pública mais eficazes de sempre. Graças à vacinação, doenças que outrora ceifavam milhares de vidas infantis são hoje raridades ou foram completamente erradicadas. Em Portugal, o sucesso do Programa Nacional de Vacinação (PNV) é inquestionável: salvou incontáveis vidas e transformou radicalmente a saúde infantil no nosso país.

Para os pais de hoje, é natural surgirem dúvidas sobre vacinas. Numa era de abundante informação (e desinformação), torna-se essencial compreender o que são as vacinas, como funcionam, quais os seus potenciais efeitos laterais e como distinguir factos científicos de mitos infundados. Este artigo pretende esclarecer estas questões e apresentar tanto o PNV 2025 como as vacinas adicionais recomendadas para uma proteção ainda mais completa dos nossos filhos.


O QUE SÃO AS VACINAS? 🔬🧬

As vacinas são preparações biológicas que estimulam o sistema imunitário a desenvolver imunidade contra doenças específicas, sem causar a doença em si. Funcionam como um "treino" para o nosso sistema de defesa, ensinando-o a reconhecer e combater microrganismos perigosos.


Como Funcionam as Vacinas?

Quando uma vacina é administrada, o sistema imunitário:

• Reconhece o agente infecioso (vírus ou bactéria enfraquecida/morta)

• Produz anticorpos específicos contra esse agente

• Cria memória imunológica para resposta futura mais rápida e eficaz

• Protege o organismo quando exposto ao agente real


Tipos de Vacinas

• Vacinas vivas atenuadas: Contêm microrganismos enfraquecidos (ex.: VASPR)

• Vacinas inativadas: Contêm microrganismos mortos (ex.: vacina da gripe)

• Vacinas de subunidades: Contêm partes específicas do microrganismo (ex.: hepatite)

• Vacinas conjugadas: Ligam antígenos a proteínas para melhor resposta (ex.: pneumocócica)


EFEITOS LATERAIS DAS VACINAS: OS 3 MAIS FREQUENTES 🌡️💊

É importante reconhecer que as vacinas, como qualquer medicamento, podem causar efeitos laterais. Felizmente, a grande maioria são ligeiros e temporários.


1. Reações Locais no Local da Injeção

Frequência: 10-20% das crianças

Sintomas:

• Dor, vermelhidão e inchaço no local da injeção

• Podem durar 1-3 dias

Abordagem:

• Aplicar gelo envolvido em pano (10-15 minutos, várias vezes ao dia)

• Paracetamol para alívio da dor, se necessário

• Evitar massajar o local nas primeiras 24 horas


2. Febre Ligeira a Moderada

Frequência: 5-15% das crianças

Características:

• Temperatura entre 37,5°C - 39°C

• Surge 6-24 horas após a vacinação

• Dura habitualmente 1-2 dias

Abordagem:

• Manter a criança bem hidratada

• Vestuário leve e ambiente fresco

• Paracetamol ou ibuprofeno conforme indicação pediátrica

• Contactar o médico se febre > 39°C ou persistir > 48 horas


3. Irritabilidade e Sonolência

Frequência: 5-10% das crianças

Sintomas:

• Choro mais frequente

• Alteração do padrão de sono

• Diminuição do apetite temporária

Abordagem:

• Proporcionar ambiente calmo e confortável

• Manter rotinas habituais de sono e alimentação

• Dar extra carinho e atenção

• Sintomas resolvem espontaneamente em 24-48 horas


DESMISTIFICANDO AS VACINAS: MITOS VS. REALIDADE 🚫✅

MITO: "As vacinas causam autismo"

REALIDADE: Estudos com milhões de crianças comprovaram que não existe qualquer relação entre vacinas e autismo. O estudo original que sugeria esta ligação foi retirado por fraude.


MITO: "É melhor ter a doença natural do que ser vacinado"

REALIDADE: As doenças naturais apresentam riscos graves de complicações, sequelas permanentes e morte. As vacinas proporcionam imunidade sem estes riscos.


MITO: "As vacinas contêm ingredientes perigosos"

REALIDADE: Todos os componentes das vacinas são rigorosamente testados e aprovados. As quantidades de conservantes são mínimas e seguras.


MITO: "Tantas vacinas sobrecarregam o sistema imunitário"

REALIDADE: O sistema imunitário das crianças consegue lidar facilmente com múltiplas vacinas. Diariamente, estão expostas a milhares de antigénios no ambiente.


UM EXEMPLO DE SUCESSO: CAMPANHA CONTRA O SARAMPO (ANOS 80-90) 📈🏆

Portugal viveu uma transformação extraordinária na saúde infantil com a implementação massiva da vacinação contra o sarampo nos anos 80 e 90.


Antes da Vacinação:

• Mortalidade infantil por pneumonia secundária ao sarampo: Centenas de casos anuais

• Hospitalizações: Milhares de crianças internadas anualmente

• Sequelas neurológicas: Encefalites e complicações graves frequentes


Após a Campanha de Vacinação:

• Redução de 95% dos casos de sarampo

• Eliminação virtual da pneumonia por sarampo

• Mortalidade infantil por sarampo: Praticamente zero

• Portugal declarado livre de sarampo endémico em 2015


Este sucesso demonstra inequivocamente o poder das vacinas na proteção da saúde infantil e salvamento de vidas.


PROGRAMA NACIONAL DE VACINAÇÃO 2025 🇵🇹📋

Ao Nascimento:

• Hepatite B (1.ª dose)

• BCG (apenas grupos de risco)

• Nirsevimab (época VSR: Out-Mar)


2 Meses:

• Hexavalente (DTPa + Hib + HBV + VIP) - 1.ª dose

• Prevenar 20 - 1.ª dose

• MenB (Bexsero) - 1.ª dose


4 Meses:

• Hexavalente - 2.ª dose

• Prevenar 20 - 2.ª dose

• MenB - 2.ª dose


6 Meses:

• Hexavalente - 3.ª dose


12 Meses:

• Prevenar 20 - 3.ª dose

• VASPR - 1.ª dose

• MenB - 3.ª dose

• MenACWY (Nimenrix) - dose única


18 Meses:

• Hexavalente - reforço


5-6 Anos:

• VASPR - 2.ª dose


10-13 Anos:

• HPV (2 doses com 6 meses de intervalo)

• dTpa (reforço 10/10 anos)


VACINAS EXTRA-PNV RECOMENDADAS 💡🌟

(recomendação pessoal)


Para além do PNV, existem vacinas adicionais que proporcionam proteção extra contra doenças importantes:


1. Vacina Anti-Rotavírus (Recomendação Universal)


Esquema: 3 doses aos 2, 4 e 6 meses

Porquê: Previne gastroenterites graves que são a principal causa de hospitalização por diarreia em lactentes

Benefícios: Redução de 85% das gastroenterites graves e 70% de todas as gastroenterites por rotavírus


2. Vacina Meningocócica ACWY (Proteção Precoce)


Esquema: 2-3 meses e 4-5 meses (antes da dose oficial aos 12 meses)

Porquê: Proteção precoce contra meningite, especialmente importante em creche

Benefícios: Cobertura antecipada durante período de maior vulnerabilidade


3. Vacina Pneumocócica 20 Serotipos (Dose Adicional) 🫁


Indicação: Uma dose para crianças que receberam esquema com menos serotipos

Porquê: Cobertura mais ampla contra pneumonias e meningites pneumocócicas

Benefícios: Proteção adicional contra estirpes emergentes


4. Vacina Hepatite A (Recomendação Universal)


Esquema: 2 doses a partir dos 18 meses, com intervalo de 6 meses a 1 ano

Porquê: Doença em ressurgimento, especialmente em viajantes

Benefícios: Proteção duradoura contra hepatite A e redução da transmissão comunitária


5. Vacina da Varicela (Casos Específicos)


• Grupos de risco (sempre)

• Adolescentes saudáveis > 10 anos sem doença prévia


Esquema: 2 doses com intervalo ≥ 4 semanas

Benefícios: Prevenção de complicações e herpes-zóster futuro


6. Vacina da Gripe Sazonal (Universal > 6 meses)


Esquema: Anual, tetravalente, a partir dos 6 meses

Porquê: Reduz hospitalizações, faltas escolares e transmissão familiar (aos + velhos)

Benefícios: Proteção individual e comunitária contra surtos sazonais


DICAS PRÁTICAS PARA PAIS 💡


Antes da Vacinação:

• Assegurar que a criança está saudável

• Levar caderneta de vacinação atualizada

• Preparar lista de dúvidas para esclarecer

• Paracetamol (1 hora antes)

• Explicar à criança (se idade adequada) de forma tranquilizadora


Durante a Vacinação:

• Manter a calma para transmitir segurança

• Segurar a criança com firmeza mas carinho

• Distrair com conversas, músicas ou brinquedos

• Elogiar a coragem da criança


Após a Vacinação:

• Observar a criança por 15-20 minutos

• Aplicar gelo no local se necessário

• Manter atividades normais, evitando apenas exercício intenso

• Contactar o médico se surgirem sintomas preocupantes


CONCLUSÃO 🌈


As vacinas são uma das ferramentas mais poderosas que temos para proteger a saúde das nossas crianças. O sucesso histórico em Portugal, exemplificado pela erradicação virtual do sarampo, demonstra inequivocamente o seu valor. O PNV 2025 oferece excelente proteção base, mas as vacinas extra-PNV proporcionam uma camada adicional de segurança especialmente valiosa no mundo globalizado de hoje.


Como pais, a nossa responsabilidade é tomarmos decisões informadas baseadas em evidência científica sólida, não em medos infundados ou mitos. Vacinar os nossos filhos é um ato de amor e responsabilidade, protegendo não apenas eles, mas toda a comunidade através da imunidade de grupo.


Lembrem-se: cada vacina administrada é um investimento no futuro saudável dos vossos filhos e uma contribuição para um mundo mais seguro para todas as crianças.


Partilhem connosco: Que dúvidas sobre vacinas vos preocupam mais? Já consideraram alguma das vacinas extra-PNV? As vossas questões ajudam-nos a criar conteúdo ainda mais útil!


Fontes: Direção-Geral da Saúde, Organização Mundial da Saúde, Academia Americana de Pediatria, Sociedade Portuguesa de Pediatria.


Este artigo tem carácter informativo e não substitui a consulta médica. Consulte sempre o vosso pediatra para aconselhamento personalizado.


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domingo, 17 de agosto de 2025

OTITE MÉDIA AGUDA: UM GUIA COMPLETO PARA PAIS E CUIDADORES

A otite média aguda (OMA) é uma das infeções mais comuns na infância e uma das principais causas de consultas pediátricas urgentes. Cerca de 90% das crianças terão pelo menos um episódio antes dos 3 anos de idade, sendo particularmente frequente entre os 6 meses e os 2 anos. Para muitos pais, o choro inconsolável de uma criança pequena durante a noite, especialmente após um resfriado, pode ser o primeiro sinal desta dolorosa condição. A otite média aguda não é apenas "uma dor de ouvidos" – é uma infeção bacteriana ou viral do ouvido médio que pode causar dor intensa, febre e, se não tratada adequadamente, complicações graves. Compreender os seus sinais, fatores de risco e opções de tratamento é fundamental para que os pais possam agir rapidamente e proporcionar alívio aos seus filhos.

O QUE É A OTITE MÉDIA AGUDA? 

Anatomia do Ouvido

Para compreender a otite média aguda, é importante conhecer a anatomia básica do ouvido. O ouvido divide-se em três partes:

  • Ouvido externo: inclui o pavilhão auricular e o canal auditivo
  • Ouvido médio: cavidade atrás do tímpano, contendo os pequenos ossos da audição
  • Ouvido interno: responsável pela audição e equilíbrio

A Trompa de Eustáquio: a Peça-Chave

A trompa de Eustáquio é um pequeno canal que liga o ouvido médio à parte posterior do nariz e garganta. A sua função é:

  • Equalizar a pressão entre o ouvido médio e o ambiente externo
  • Drenar secreções do ouvido médio
  • Proteger o ouvido médio de infeções

Nas crianças pequenas, a trompa de Eustáquio é:

  • Mais curta (apenas 1-2 cm vs. 3-4 cm nos adultos)
  • Mais horizontal
  • Mais estreita
  • Menos rígida

Estas características anatómicas fazem com que a trompa se obstrua mais facilmente, criando condições ideais para o desenvolvimento de infeções.


COMO SE DESENVOLVE A OTITE MÉDIA AGUDA? 

O Processo em 4 Etapas
  1. Infeção respiratória inicial: Vírus (rinovírus, vírus sincicial respiratório, influenza) infetam o nariz e garganta
  2. Inflamação e obstrução: A mucosa da trompa de Eustáquio inflama e obstrui
  3. Acumulação de secreções: Fluidos ficam "presos" no ouvido médio
  4. Sobreinfeção bacteriana: Bactérias multiplicam-se no fluido estagnado

Principais Agentes Causadores

Bactérias (60-70% dos casos):

  • Streptococcus pneumoniae (30-40%)
  • Haemophilus influenzae (20-25%)
  • Moraxella catarrhalis (10-15%)
Vírus (30-40% dos casos):
  • Vírus sincicial respiratório (VSR)
  • Rinovírus
  • Vírus da gripe
  • Adenovírus

SINAIS E SINTOMAS: COMO RECONHECER? 

Em Lactentes (< 2 anos)
  1. Choro intenso e inconsolável, especialmente à noite
  2. Irritabilidade extrema
  3. Febre (frequentemente > 38,5°C)
  4. Dificuldade em adormecer ou despertares frequentes
  5. Recusa alimentar ou dificuldade na sucção
  6. Puxar ou esfregar a orelha repetidamente 
  • Outros sinais:

    • Vómitos ou diarreia (por deglutição de secreções)
    • Perda de equilíbrio ao gatinhar ou andar
    • Corrimento do ouvido (se houver perfuração timpânica)
Em Crianças Maiores (> 2 anos)
  1. "Dói-me o ouvido" - dor latejante, intensa
  2. Sensação de ouvido "tapado"
  3. Diminuição da audição temporária
  4. Zumbidos no ouvido

            Sinais de Alarme: Quando Procurar Ajuda Urgente!

    1. Febre persistente > 39°C por mais de 48 horas
    2. Corrimento purulento do ouvido (possível perfuração timpânica)
    3. Inchaço ou vermelhidão atrás da orelha (possível mastoidite)
    4. Rigidez do pescoço
    5. Convulsões
    6. Alterações do estado de consciência
    7. Paralisia facial
FATORES DE RISCO:
Fatores Não-Modificáveis
  • Idade: 6 meses a 2 anos (pico de incidência)
  • Sexo masculino: risco 20% superior
  • Genética: antecedentes familiares de otites recorrentes
  • Prematuridade
Fatores Ambientais Modificáveis
  • Exposição ao fumo do tabaco (risco 2-3x maior)
  • Frequência de creche (risco 2-4x maior)
  • Época do ano: outono/inverno
  • Poluição atmosférica
  • Alergias respiratórias

Fatores Nutricionais e Sociais

  • Ausência de aleitamento materno
  • Uso prolongado da chupeta (> 12 meses)
  • Posição para mamar (horizontal aumenta risco)
  • Sobrelotação habitacional
  • Nível socioeconómico baixo

DIAGNÓSTICO: COMO O MÉDICO CONFIRMA?

Critérios diagnósticos (devem estar presentes):
  • Início súbito dos sintomas
  • Sinais de inflamação no ouvido médio 
  • Efusão (líquido) no ouvido médio

Diagnóstico Diferencial
O médico deve distinguir a OMA de:
  • Otite média serosa (sem infeção ativa)
  • Otite externa (infeção do canal auditivo)
  • Dor de ouvidos reflexa (amigdalite, problemas dentários)
  • Corpo estranho no ouvido

TRATAMENTO: ABORDAGEM MODERNA E BASEADA EM EVIDÊNCIA 

Estratégia de "Vigilância Ativa" vs. Antibióticos Imediatos
A decisão de tratar com antibióticos depende de:

Critérios para início de  tratamento com antibiótico:
  • Idade < 6 meses (tratar sempre!)
  • Idade 6-24 meses com doença bilateral
  • Qualquer idade com:
    • Otorreia (corrimento do ouvido)
    • Critérios de gravidade(febre ≥ 39°C, dor intensa)
    • Sinais de complicações

Critérios para Vigilância Ativa (48-72h)
  • Idade > 2 anos com doença unilateral ligeira
  • Ausência de sintomas sistémicos graves
  • Pais capazes de monitorizar adequadamente
  • Fácil acesso a cuidados médicos

Antibióticos de Primeira Linha

Amoxicilina (primeira escolha):

  • Dose: 80-90 mg/kg/dia, dividida em 2-3 tomas
  • Duração: 7 a 10 dias
  • Vantagens: eficaz, segura, bem tolerada, baixo custo

Amoxicilina + Ácido Clavulânico (se falência terapêutica):
  • Indicada se não melhoria em 48-72h
  • Cobre bactérias produtoras de beta-lactamase

Alternativas (se alergia à penicilina):

  • Cefuroxima
  • Azitromicina
  • Claritromicina

Tratamento Sintomático: Alívio da Dor Analgésicos/Antipiréticos

  • Paracetamol: 10-20mg/kg/dose, 6/6h
  • Ibuprofeno: 5-10 mg/kg/dose, 8/8h
  • Calor local: compressa morna (não quente!)
  • Posição: elevar ligeiramente a cabeça para dormir
  • Hidratação adequada
  • Ambiente calmo
  • “NÃO!”:

    • Gotas auriculares ou Antibióticos sem prescrição
    • Aspirina em crianças (risco de síndrome de Reye)

COMPLICAÇÕES: QUANDO AS COISAS CORREM MAL 

Complicações Frequentes (1-5%)

  • Perfuração timpânica: geralmente cicatriza espontaneamente
  • Otite média recorrente: ≥ 3 episódios em 6 meses ou ≥ 4 episódios em 12 meses

Complicações Graves (< 1%)
  • Mastoidite: infeção do osso mastoide
  • Meningite: infeção das meninges que envolvem o cérebro
  • Abcesso cerebral: acumulação de pus numa área delimitada no cérebro
  • Trombose dos seios venosos: coágulo nas veias cerebrais
  • Paralisia facial: lesão do nervo facial com paralisia dos músculos da face

Complicações a Longo Prazo
  • Perda auditiva permanente: rara, mas possível
  • Atraso na linguagem: se otites recorrentes
  • Colesteatoma: crescimento anormal de pele no ouvido médio

PREVENÇÃO: ESTRATÉGIAS EFICAZES 

  • Aleitamento materno exclusivo até 6 meses
  • Evitar exposição ao fumo do tabaco
  • Reduzir o uso da chupeta após 12 meses
  • Posição vertical durante e após as refeições
  • Higiene das mãos rigorosa
  • Vacinação completa (PCV20, VSR, Hib, Influenza) 
  • Controlo da rinite alérgica e da asma
  • Evitar alergénios conhecidos

Quando Considerar Adenoidectomia*
  1. Hipertrofia adenoideia obstrutiva
  2. Otites médias recorrentes refratárias
  3. Apneia obstrutiva do sono

E Tubos de Ventilação (Drenagem Transtimpânica)?*
  1. ≥ 3 episódios de OMA em 6 meses
  2. ≥ 4 episódios em 12 meses
  3. Otite média serosa persistente > 3 meses com perda auditiva

* A decisão é sempre individualizada e tomada pelo ORL.

MITOS SOBRE OTITE MÉDIA

"Água no ouvido causa otite média" → A otite média é uma infeção interna
"Cortar o cabelo previne otites" → Não há qualquer relação
"Otites são sempre contagiosas" → A otite em si não é contagiosa
"Antibióticos devem ser sempre prescritos" → Muitos casos resolvem sem antibióticos

OTITES RECORRENTES: UM DESAFIO ESPECIAL 

Definição
≥ 3 episódios em 6 meses ou ≥ 4 episódios em 12 meses 

Investigação Adicional
  1. Avaliação imunológica (deficiências imunitárias)
  2. Estudo alergológico
  3. Avaliação audiológica
  4. RX Cavum – Avaliação de Hipertrofia das Adenóides
  5. TC ou RMN (se suspeita de malformações)

CONCLUSÃO

A otite média aguda é uma condição comum, mas potencialmente grave, que afeta milhões de crianças em todo o mundo. O conhecimento adequado dos seus sinais, fatores de risco e opções de tratamento permite aos pais uma resposta rápida e eficaz, minimizando o sofrimento da criança e prevenindo complicações.

A abordagem moderna da otite média aguda privilegia o equilíbrio entre o tratamento necessário e a prevenção da resistência aos antibióticos. Nem todos os casos requerem antibióticos imediatos – muitos podem ser tratados com vigilância ativa e medidas de suporte.

A prevenção continua a ser a melhor estratégia: aleitamento materno, vacinação adequada, evitar o fumo do tabaco e manter uma boa higiene são medidas simples mas extraordinariamente eficazes.

Lembrem-se: ante a dúvida, contactem sempre o vosso pediatra. Uma avaliação profissional é fundamental para o diagnóstico correto e tratamento adequado. A saúde auditiva do vosso filho é preciosa – cuidem dela com carinho e conhecimento.

Partilhem nos comentários: Já passaram pela experiência de uma otite média com os vossos filhos? Como foi? Que estratégias de alívio da dor resultaram melhor? As vossas experiências podem ajudar outras famílias!



REFERÊNCIAS

  • American Academy of Pediatrics. Clinical Practice Guideline: The Diagnosis and Management of AcuteOtitis Media. Pediatrics. 2023.
  • Sociedade Portuguesa de Pediatria. Consenso sobre Otite Média Aguda. 2022.
  • Organização Mundial de Saúde. Guidelines for the Management of Common Childhood Illnesses. 2024.
  • European Society for Paediatric Infectious Diseases. Management of Acute Otitis Media in Children. 2023. 

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