A otite média aguda (OMA) é uma das infeções mais comuns na infância e uma das principais causas de consultas pediátricas urgentes. Cerca de 90% das crianças terão pelo menos um episódio antes dos 3 anos de idade, sendo particularmente frequente entre os 6 meses e os 2 anos. Para muitos pais, o choro inconsolável de uma criança pequena durante a noite, especialmente após um resfriado, pode ser o primeiro sinal desta dolorosa condição. A otite média aguda não é apenas "uma dor de ouvidos" – é uma infeção bacteriana ou viral do ouvido médio que pode causar dor intensa, febre e, se não tratada adequadamente, complicações graves. Compreender os seus sinais, fatores de risco e opções de tratamento é fundamental para que os pais possam agir rapidamente e proporcionar alívio aos seus filhos.
O QUE É A OTITE MÉDIA AGUDA?
Anatomia do Ouvido
Para compreender a otite média aguda, é importante conhecer a anatomia básica do ouvido. O ouvido divide-se em três partes:
- Ouvido externo: inclui o pavilhão auricular e o canal auditivo
- Ouvido médio: cavidade atrás do tímpano, contendo os pequenos ossos da audição
Ouvido interno: responsável pela audição e equilíbrio
- Equalizar a pressão entre o ouvido médio e o ambiente externo
- Drenar secreções do ouvido médio
Proteger o ouvido médio de infeções
Nas crianças pequenas, a trompa de Eustáquio é:
- Mais curta (apenas 1-2 cm vs. 3-4 cm nos adultos)
- Mais horizontal
- Mais estreita
- Menos rígida
Estas características anatómicas fazem com que a trompa se obstrua mais facilmente, criando condições ideais para o desenvolvimento de infeções.
- Infeção respiratória inicial: Vírus (rinovírus, vírus sincicial respiratório, influenza) infetam o nariz e garganta
- Inflamação e obstrução: A mucosa da trompa de Eustáquio inflama e obstrui
- Acumulação de secreções: Fluidos ficam "presos" no ouvido médio
- Sobreinfeção bacteriana: Bactérias multiplicam-se no fluido estagnado
Principais Agentes Causadores
Bactérias (60-70% dos casos):
- Streptococcus pneumoniae (30-40%)
- Haemophilus influenzae (20-25%)
- Moraxella catarrhalis (10-15%)
- Vírus sincicial respiratório (VSR)
- Rinovírus
- Vírus da gripe
- Adenovírus
SINAIS E SINTOMAS: COMO RECONHECER?
- Choro intenso e inconsolável, especialmente à noite
- Irritabilidade extrema
- Febre (frequentemente > 38,5°C)
- Dificuldade em adormecer ou despertares frequentes
- Recusa alimentar ou dificuldade na sucção
- Puxar ou esfregar a orelha repetidamente
Outros sinais:
- Vómitos ou diarreia (por deglutição de secreções)
- Perda de equilíbrio ao gatinhar ou andar
- Corrimento do ouvido (se houver perfuração timpânica)
- "Dói-me o ouvido" - dor latejante, intensa
- Sensação de ouvido "tapado"
- Diminuição da audição temporária
- Zumbidos no ouvido
-
Sinais observáveis pelos pais:
- Febre
- Mal-estar geral
- Falta de apetite
- Sonolência ou agitação
- Dificuldade em ouvir televisão (volume mais alto)
Sinais de Alarme: Quando Procurar Ajuda Urgente!
- Febre persistente > 39°C por mais de 48 horas
- Corrimento purulento do ouvido (possível perfuração timpânica)
- Inchaço ou vermelhidão atrás da orelha (possível mastoidite)
- Rigidez do pescoço
- Convulsões
- Alterações do estado de consciência
- Paralisia facial
- Idade: 6 meses a 2 anos (pico de incidência)
- Sexo masculino: risco 20% superior
- Genética: antecedentes familiares de otites recorrentes
- Anatomia: fenda palatina, síndrome de Down
- Prematuridade
- Exposição ao fumo do tabaco (risco 2-3x maior)
- Frequência de creche (risco 2-4x maior)
- Época do ano: outono/inverno
- Poluição atmosférica
- Alergias respiratórias
Fatores Nutricionais e Sociais
- Ausência de aleitamento materno
- Uso prolongado da chupeta (> 12 meses)
- Posição para mamar (horizontal aumenta risco)
- Sobrelotação habitacional
- Nível socioeconómico baixo
DIAGNÓSTICO: COMO O MÉDICO CONFIRMA?
- Início súbito dos sintomas
- Sinais de inflamação no ouvido médio
- Efusão (líquido) no ouvido médio
- Otite média serosa (sem infeção ativa)
- Otite externa (infeção do canal auditivo)
- Dor de ouvidos reflexa (amigdalite, problemas dentários)
- Corpo estranho no ouvido
- Tímpano vermelho e abaulado
- Perda da translucidez timpânica
- Diminuição ou ausência da mobilidade timpânica
- Possível perfuração com drenagem
TRATAMENTO: ABORDAGEM MODERNA E BASEADA EM EVIDÊNCIA
- Critérios para Antibióticos Imediatos
- Idade < 6 meses (sempre tratar)
- Idade 6-24 meses com doença bilatera
- Qualquer idade com:
- Otorreia (corrimento do ouvido)
- Doença grave (febre ≥ 39°C, dor intensa)
- Sinais de complicações
- Otorreia (corrimento do ouvido)
- Doença grave (febre ≥ 39°C, dor intensa)
- Sinais de complicações
- Idade > 2 anos com doença unilateral ligeira
- Ausência de sintomas sistémicos graves
- Pais capazes de monitorizar adequadamente
- Fácil acesso a cuidados médicos
Antibióticos de Primeira Linha
Amoxicilina (primeira escolha):
- Dose: 80-90 mg/kg/dia, dividida em 2-3 tomas
- Duração: 7 a 10 dias
- Vantagens: eficaz, segura, bem tolerada, baixo custo
Amoxicilina + Ácido Clavulânico (se falência terapêutica):
- Indicada se não melhoria em 48-72h
- Cobre bactérias produtoras de beta-lactamase
Alternativas (alergia à penicilina):
- Cefuroxima
- Azitromicina
- Claritromicina
Tratamento Sintomático: Alívio da Dor Analgésicos/Antipiréticos
- Paracetamol: 10-20mg/kg/dose, 6/6h
- Ibuprofeno: 5-10 mg/kg/dose, 8/8h
- Calor local: compressa morna (não quente!)
- Posição: elevar ligeiramente a cabeça para dormir
- Hidratação adequada
- Ambiente calmo
- “NÃO!”:
- Gotas auriculares ou Antibióticos sem prescrição
- Aspirina em crianças (risco de síndrome de Reye)
COMPLICAÇÕES: QUANDO AS COISAS CORREM MAL
Complicações Frequentes (1-5%)
- Perfuração timpânica: geralmente cicatriza espontaneamente
- Otite média recorrente: ≥ 3 episódios em 6 meses ou ≥ 4 episódios em 12 meses
- Mastoidite: infeção do osso mastoide
- Meningite: infeção das meninges que envolvem o cérebro
- Abcesso cerebral: acumulação de pus numa área delimitada no cérebro
- Trombose dos seios venosos: coágulo nas veias cerebrais
- Paralisia facial: lesão do nervo facial com paralisia dos músculos da face
- Perda auditiva permanente: rara, mas possível
- Atraso na linguagem: se otites recorrentes
- Colesteatoma: crescimento anormal de pele no ouvido médio
PREVENÇÃO: ESTRATÉGIAS EFICAZES
- Aleitamento materno exclusivo até 6 meses
- Evitar exposição ao fumo do tabaco
- Reduzir o uso da chupeta após 12 meses
- Posição vertical durante e após as refeições
- Higiene das mãos rigorosa
- Vacinação completa (PCV20, VSR, Hib, Influenza)
- Controlo da rinite alérgica e da asma
- Evitar alergénios conhecidos
Quando Considerar Adenoidectomia*- Hipertrofia adenoideia obstrutiva
- Otites médias recorrentes refratárias
- Apneia obstrutiva do sono
- ≥ 3 episódios de OMA em 6 meses
- ≥ 4 episódios em 12 meses
- Otite média serosa persistente > 3 meses com perda auditiva
* A decisão é sempre individualizada e tomada pelo ORL.
MITOS SOBRE OTITE MÉDIA
OTITES RECORRENTES: UM DESAFIO ESPECIAL
≥ 3 episódios em 6 meses ou ≥ 4 episódios em 12 meses
- Avaliação imunológica (deficiências imunitárias)
- Estudo alergológico
- Avaliação audiológica
- RX Cavum – Avaliação de Hipertrofia das Adenóides
TC ou RMN (se suspeita de malformações)
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