sábado, 5 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 2 de 3. Tipos de crises epiléticas e suas manifestações clínicas.

Quando pensamos em epilepsia, muitos de nós imaginamos imediatamente uma criança com movimentos convulsivos intensos. No entanto, a realidade é muito mais variada e complexa. As crises epiléticas manifestam-se de formas diversas, nem sempre envolvendo movimentos visíveis ou óbvios. Neste artigo, procuro ajudar-vos a reconhecer os principais tipos de crises que podem ocorrer na infância, capacitando-vos para uma observação mais informada e um apoio mais eficaz.

O que é realmente uma crise epilética?

Uma crise epilética resulta de uma atividade elétrica cerebral anormal e súbita. Dependendo da região cerebral afetada, as manifestações podem variar significativamente. Algumas crises são subtis e facilmente confundíveis com outros comportamentos, enquanto outras são mais evidentes e potencialmente impressionantes – todas merecem a nossa atenção cuidada.

Principais Tipos de Crises Epiléticas

1. Crises Focais (ou Parciais)

Têm origem numa região específica do cérebro.

• Podem manifestar-se através de movimentos involuntários num membro ou numa metade do corpo.

• Alterações sensoriais: distúrbios visuais, auditivos ou sensações de formigueiro.

• Em algumas situações, a criança mantém a consciência; noutras, pode ocorrer alteração da mesma.

• Por vezes, estas crises podem evoluir para crises generalizadas, envolvendo progressivamente todo o cérebro.

2. Crises Generalizadas

Envolvem, desde o início, ambos os hemisférios cerebrais. Há perda de consciência.

    1)Crises tónico-clónicas (anteriormente designadas por "grande mal"): 

- A criança perde a consciência, apresenta rigidez inicial (fase tónica) seguida de movimentos rítmicos (fase clónica). 
- Frequentemente associa-se salivação abundante, alterações do olhar e, por vezes, perda de controlo urinário. 
- Após a crise, segue-se habitualmente um período de sonolência ou confusão (fase pós-ictal);
 
 
    2)Crises de ausência (outrora conhecidas como "pequeno mal"):
- Episódios breves (geralmente segundos) de desconexão do ambiente
- Podem ocorrer piscar de olhos ou pequenos movimentos automáticos
- Facilmente confundíveis com momentos de distração ou desatenção

    3)Crises atónicas:
- Caracterizam-se por perda súbita do tónus muscular, podendo resultar em quedas inesperadas

    4)Crises mioclónicas:
- Movimentos bruscos e rápidos, frequentemente nos membros superiores

Como identificar uma crise?

Os pais e cuidadores são observadores privilegiados. Perante a suspeita de uma crise:

• Observe atentamente:
- O que fazia a criança antes da crise? Como se iniciou? Qual a duração aproximada?
- Que movimentos apresentou? Estava consciente? Reagia a estímulos? Respondia verbalmente? Como se encontrava após o episódio?

• Se possível, registe para posterior análise médica;

• Mantenha um registo organizado, anotando data, hora, duração, descrição e contexto de cada episódio.

Lidar com o receio das crises

Mesmo as crises aparentemente mais dramáticas, como as tónico-clónicas, podem ser adequadamente controladas com tratamento apropriado. O fundamental é compreender o que está a acontecer e agir de forma informada e tranquila.

Recomendações práticas

• Nunca introduzir objetos na boca da criança durante uma crise

• Colocar a criança em posição lateral de segurança e proteger a cabeça

• Manter a calma — frequentemente, o aspeto das crises é mais impressionante do que o

risco real

• Comunicar sempre com o pediatra ou neurologista após um novo episódio

Uma palavra final

Reconhecer adequadamente o tipo de crise epilética não é responsabilidade exclusiva dos profissionais de saúde. Os pais e cuidadores desempenham um papel fundamental neste processo, permitindo um diagnóstico mais preciso e, consequentemente, uma abordagem terapêutica mais eficaz.

terça-feira, 1 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 1 de 3: O que é?

Quando recebemos a notícia de que um filho tem epilepsia, é natural sentirmos uma mistura de preocupação e incerteza. Como pediatra que acompanha famílias nesta situação, gostaria de vos oferecer informação clara e fundamentada que vos ajude a compreender melhor esta condição e a encontrar segurança no caminho a percorrer.

O que é realmente a Epilepsia?
A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada por uma predisposição continuada do cérebro para gerar crises epiléticas. É importante esclarecer: uma única convulsão, mesmo que intensa, não significa necessariamente epilepsia.

Falamos de epilepsia quando as crises ocorrem de forma repetida sem que haja uma causa temporária identificável (como febre alta, traumatismo recente ou uma infeção aguda).
Não nos referimos a uma doença única, mas sim a um conjunto de situações clínicas com diferentes manifestações, causas e prognósticos. Muitas formas são transitórias e a maioria das crianças com epilepsia consegue levar uma vida plena e equilibrada com o acompanhamento adequado.


Causas mais frequentes
A epilepsia pode manifestar-se em qualquer idade, sendo particularmente comum na primeira infância. Entre as principais causas encontramos:
• Idiopática — sem causa identificável, frequentemente com um cérebro estruturalmente normal
• Genética — algumas epilepsias têm base hereditária, o que não implica "responsabilidade" de ninguém
• Alterações do desenvolvimento cerebral — malformações ou lesões ocorridas antes, durante ou após o nascimento
• Traumatismos — lesões que afetam o tecido cerebral
• Infeções ou processos inflamatórios — como meningites ou encefalites
É reconfortante saber que, mesmo quando não se consegue identificar uma causa específica após todos os exames, isso não impede que se consiga um tratamento eficaz e uma vida equilibrada.

Como se estabelece o diagnóstico?
O diagnóstico da epilepsia é fundamentalmente clínico, baseando-se na descrição detalhada das crises. É aqui que o vosso papel como pais ou cuidadores se torna essencial.
Aspectos importantes a observar:
• Como se inicia a crise? Afeta um lado específico ou todo o corpo?
• Ocorrem alterações no olhar? Salivação aumentada? Rigidez? Movimentos involuntários?
• Qual a duração aproximada?
• Como fica a criança após a crise? Sonolenta? Confusa? Recupera rapidamente?
Estes pormenores são valiosos para o pediatra ou neurologista.
Após a avaliação clínica inicial, poderão ser necessários:
• EEG (eletroencefalograma): para avaliar a atividade elétrica cerebral
• Neuroimagem (geralmente ressonância magnética): para identificar possíveis alterações estruturais
• Outros exames complementares, conforme a situação específica

O diagnóstico não define o futuro
É fundamental compreendermos que o diagnóstico de epilepsia não determina limitações definitivas na vida da criança. A maioria consegue um bom controlo das crises e mantém todas as suas atividades normais – escola, brincadeiras e até desporto.
A atitude informada e positiva de quem cuida faz uma diferença extraordinária. Conhecer a condição, saber como agir e a quem recorrer proporciona segurança tanto à criança como a toda a família.
Orientações práticas para o dia-a-dia
• Mantenha a serenidade possível durante uma crise
• Observe e, se possível, registe o episódio para posterior descrição médica
• Partilhe experiências com outros pais que vivem situações semelhantes
• Não hesite em solicitar apoio profissional, tanto médico como emocional

Uma nota final
A epilepsia representa um desafio, sem dúvida, mas com conhecimento, acompanhamento médico adequado e muito afeto, é possível viver bem com este diagnóstico. Nos próximos artigos, continuaremos a explorar os tipos de crises epiléticas e aspectos práticos da vida quotidiana da criança com epilepsia.

sexta-feira, 21 de março de 2025

Convulsões Febris: o que são e como lidar com elas.

As convulsões febris são episódios que podem ocorrer em crianças pequenas durante quadros febris. Apesar de assustarem bastante os pais e cuidadores, geralmente são benignas, passam espontaneamente e não deixam sequelas. Este artigo visa esclarecer o que são convulsões febris e como agir adequadamente perante estes episódios.

O que são convulsões febris?

As convulsões febris são crises convulsivas que ocorrem, sensivelmente, em crianças entre os 6 meses e os 6 anos de idade, associadas à presença de febre, sem evidência de infeção do sistema nervoso central ou outra causa neurológica aguda identificável. Representam a forma mais comum de convulsão na infância, afetando aproximadamente 2-5% das crianças nesta faixa etária.

Tipos de convulsões febris

Simples: Duração inferior a 10 minutos, não recorrentes em 24 horas e generalizadas (envolvem todo o corpo).

Complexas: Duração superior a 10 minutos, podem ocorrer mais de uma vez em 24 horas e podem ser focais (afetando parte do corpo).


Como agir durante uma convulsão febril

1. Mantenha a calma: Lembre-se de que, geralmente, as convulsões febris são benignas.

2. Retire roupas apertadas para facilitar a respiração e mobilização. 

3. Coloque a criança de lado numa superfície segura: esta posição ajuda a manter as vias aéreas desobstruídas e previne a aspiração de saliva ou vómito.

4. Aplique antipirético em supositório e medicação em SOS prescrita pelo médico para aplicação também retal (diazepam).

5. Não segure a criança à força: permita que a convulsão siga o seu curso natural. Não coloque objetos na boca: Isso pode causar lesões e não evita mordeduras na língua.

6. Ligue o 112 caso seja um primeiro episódio.

7. Caso seja uma situação já diagnosticada, mantenha a calma e cronometre a duração da convulsão: se durar mais de 5 minutos, ligue o 112.

 

Após a convulsão

É perfeitamente normal que a criança apresente sonolência ou confusão após um episódio convulsivo. Permita que descanse adequadamente e monitorize a sua recuperação com atenção.

Quando procurar ajuda médica

Se a convulsão durar mais de 5 minutos.

Se a criança apresentar dificuldade para respirar após a convulsão.

Se a convulsão for focal ou ocorrer mais de uma vez em 24 horas.

Se a criança tiver menos de 6 meses ou mais de 5 anos.

Se houver sinais de infeção grave, como rigidez de nuca, vómitos persistentes ou erupções cutâneas.

Medidas preventivas

Embora não seja possível prevenir todas as convulsões febris, algumas medidas podem ajudar:

Controlo da febre: administre antipiréticos conforme orientação médica e mantenha a criança hidratada.

Atenção a infeções: procure atendimento médico para tratar adequadamente infeções que possam causar febre.

Conclusão
As convulsões febris, apesar do seu impacto visual alarmante, são geralmente inofensivas e não provocam danos neurológicos permanentes. É essencial que os pais saibam como agir durante uma convulsão e quando procurar ajuda médica. Manter a calma e estar informado são passos fundamentais para o bem-estar da criança.

Nota: Este artigo é informativo e não substitui a orientação médica. Em caso de dúvidas ou preocupações, consulte um profissional de saúde.

O luto na infância - como lidar de forma consciente

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