terça-feira, 1 de abril de 2025

Epilepsia na criança. Parte 1 de 3: O que é?

Quando recebemos a notícia de que um filho tem epilepsia, é natural sentirmos uma mistura de preocupação e incerteza. Como pediatra que acompanha famílias nesta situação, gostaria de vos oferecer informação clara e fundamentada que vos ajude a compreender melhor esta condição e a encontrar segurança no caminho a percorrer.

O que é realmente a Epilepsia?
A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada por uma predisposição continuada do cérebro para gerar crises epiléticas. É importante esclarecer: uma única convulsão, mesmo que intensa, não significa necessariamente epilepsia.

Falamos de epilepsia quando as crises ocorrem de forma repetida sem que haja uma causa temporária identificável (como febre alta, traumatismo recente ou uma infeção aguda).
Não nos referimos a uma doença única, mas sim a um conjunto de situações clínicas com diferentes manifestações, causas e prognósticos. Muitas formas são transitórias e a maioria das crianças com epilepsia consegue levar uma vida plena e equilibrada com o acompanhamento adequado.


Causas mais frequentes
A epilepsia pode manifestar-se em qualquer idade, sendo particularmente comum na primeira infância. Entre as principais causas encontramos:
• Idiopática — sem causa identificável, frequentemente com um cérebro estruturalmente normal
• Genética — algumas epilepsias têm base hereditária, o que não implica "responsabilidade" de ninguém
• Alterações do desenvolvimento cerebral — malformações ou lesões ocorridas antes, durante ou após o nascimento
• Traumatismos — lesões que afetam o tecido cerebral
• Infeções ou processos inflamatórios — como meningites ou encefalites
É reconfortante saber que, mesmo quando não se consegue identificar uma causa específica após todos os exames, isso não impede que se consiga um tratamento eficaz e uma vida equilibrada.

Como se estabelece o diagnóstico?
O diagnóstico da epilepsia é fundamentalmente clínico, baseando-se na descrição detalhada das crises. É aqui que o vosso papel como pais ou cuidadores se torna essencial.
Aspectos importantes a observar:
• Como se inicia a crise? Afeta um lado específico ou todo o corpo?
• Ocorrem alterações no olhar? Salivação aumentada? Rigidez? Movimentos involuntários?
• Qual a duração aproximada?
• Como fica a criança após a crise? Sonolenta? Confusa? Recupera rapidamente?
Estes pormenores são valiosos para o pediatra ou neurologista.
Após a avaliação clínica inicial, poderão ser necessários:
• EEG (eletroencefalograma): para avaliar a atividade elétrica cerebral
• Neuroimagem (geralmente ressonância magnética): para identificar possíveis alterações estruturais
• Outros exames complementares, conforme a situação específica

O diagnóstico não define o futuro
É fundamental compreendermos que o diagnóstico de epilepsia não determina limitações definitivas na vida da criança. A maioria consegue um bom controlo das crises e mantém todas as suas atividades normais – escola, brincadeiras e até desporto.
A atitude informada e positiva de quem cuida faz uma diferença extraordinária. Conhecer a condição, saber como agir e a quem recorrer proporciona segurança tanto à criança como a toda a família.
Orientações práticas para o dia-a-dia
• Mantenha a serenidade possível durante uma crise
• Observe e, se possível, registe o episódio para posterior descrição médica
• Partilhe experiências com outros pais que vivem situações semelhantes
• Não hesite em solicitar apoio profissional, tanto médico como emocional

Uma nota final
A epilepsia representa um desafio, sem dúvida, mas com conhecimento, acompanhamento médico adequado e muito afeto, é possível viver bem com este diagnóstico. Nos próximos artigos, continuaremos a explorar os tipos de crises epiléticas e aspectos práticos da vida quotidiana da criança com epilepsia.

sexta-feira, 21 de março de 2025

Convulsões Febris: o que são e como lidar com elas.

As convulsões febris são episódios que podem ocorrer em crianças pequenas durante quadros febris. Apesar de assustarem bastante os pais e cuidadores, geralmente são benignas, passam espontaneamente e não deixam sequelas. Este artigo visa esclarecer o que são convulsões febris e como agir adequadamente perante estes episódios.

O que são convulsões febris?

As convulsões febris são crises convulsivas que ocorrem, sensivelmente, em crianças entre os 6 meses e os 6 anos de idade, associadas à presença de febre, sem evidência de infeção do sistema nervoso central ou outra causa neurológica aguda identificável. Representam a forma mais comum de convulsão na infância, afetando aproximadamente 2-5% das crianças nesta faixa etária.

Tipos de convulsões febris

Simples: Duração inferior a 10 minutos, não recorrentes em 24 horas e generalizadas (envolvem todo o corpo).

Complexas: Duração superior a 10 minutos, podem ocorrer mais de uma vez em 24 horas e podem ser focais (afetando parte do corpo).


Como agir durante uma convulsão febril

1. Mantenha a calma: Lembre-se de que, geralmente, as convulsões febris são benignas.

2. Retire roupas apertadas para facilitar a respiração e mobilização. 

3. Coloque a criança de lado numa superfície segura: esta posição ajuda a manter as vias aéreas desobstruídas e previne a aspiração de saliva ou vómito.

4. Aplique antipirético em supositório e medicação em SOS prescrita pelo médico para aplicação também retal (diazepam).

5. Não segure a criança à força: permita que a convulsão siga o seu curso natural. Não coloque objetos na boca: Isso pode causar lesões e não evita mordeduras na língua.

6. Ligue o 112 caso seja um primeiro episódio.

7. Caso seja uma situação já diagnosticada, mantenha a calma e cronometre a duração da convulsão: se durar mais de 5 minutos, ligue o 112.

 

Após a convulsão

É perfeitamente normal que a criança apresente sonolência ou confusão após um episódio convulsivo. Permita que descanse adequadamente e monitorize a sua recuperação com atenção.

Quando procurar ajuda médica

Se a convulsão durar mais de 5 minutos.

Se a criança apresentar dificuldade para respirar após a convulsão.

Se a convulsão for focal ou ocorrer mais de uma vez em 24 horas.

Se a criança tiver menos de 6 meses ou mais de 5 anos.

Se houver sinais de infeção grave, como rigidez de nuca, vómitos persistentes ou erupções cutâneas.

Medidas preventivas

Embora não seja possível prevenir todas as convulsões febris, algumas medidas podem ajudar:

Controlo da febre: administre antipiréticos conforme orientação médica e mantenha a criança hidratada.

Atenção a infeções: procure atendimento médico para tratar adequadamente infeções que possam causar febre.

Conclusão
As convulsões febris, apesar do seu impacto visual alarmante, são geralmente inofensivas e não provocam danos neurológicos permanentes. É essencial que os pais saibam como agir durante uma convulsão e quando procurar ajuda médica. Manter a calma e estar informado são passos fundamentais para o bem-estar da criança.

Nota: Este artigo é informativo e não substitui a orientação médica. Em caso de dúvidas ou preocupações, consulte um profissional de saúde.

terça-feira, 18 de março de 2025

Doenças Exantemáticas na Infância: Parte 3 – Eritema Infecioso e Doença Pés-Mãos-Boca

Dando continuidade à nossa série sobre doenças exantemáticas infeciosas na infância, abordaremos nesta terceira e última parte o Eritema Infecioso e a Doença Pés-Mãos-Boca. São muito comuns em crianças e caracterizam-se por erupções cutâneas específicas. Conhecer os sintomas, formas de transmissão e medidas preventivas é essencial para os pais e cuidadores.

Eritema Infecioso (Quinta Doença)
Agente Causador: Parvovírus B19.​

Transmissão: 
O vírus é transmitido principalmente por gotículas respiratórias, como tosse e espirros, e pelo contacto direto com secreções de indivíduos infetados.​

Manifestações Clínicas:
Fase Inicial: Muitas crianças não apresentam sintomas significativos antes do aparecimento do exantema. Algumas podem ter sintomas leves semelhantes aos de uma constipação, como febre baixa, mal-estar geral e dor de cabeça.​
Exantema Facial: A característica mais marcante é uma erupção vermelha brilhante nas bochechas, dando a aparência de "face esbofeteada".​
Exantema Corporal: Após 1 a 4 dias, surge um exantema reticulado (em forma de renda) nos membros e tronco, que pode desaparecer e reaparecer nas semanas seguintes, especialmente com a exposição ao calor ou ao sol.​
Diagnóstico:
Geralmente clínico, baseado na aparência típica do exantema. Em casos duvidosos, testes laboratoriais podem ser realizados para detetar anticorpos específicos contra o parvovírus B19.​

Tratamento:
Não há tratamento antiviral específico. O tratamento é sintomático, incluindo antipiréticos para febre e analgésicos para desconforto.​ A maioria das crianças recupera sem complicações.
Prevenção:
Não existe vacina disponível contra o parvovírus B19.​
Medidas gerais de higiene, como lavar as mãos regularmente e evitar o contacto próximo com pessoas infetadas, ajudam a prevenir a transmissão.​ A particularidade desta doença em termos de transmissão é que a criança está em fase contagiosa antes de surgirem as manchas. A partir desse momento, já não contagia.




Doença Pés-Mãos-Boca
Agentes Causadores: Vírus do género Enterovírus, sendo o Coxsackievirus A16 e o Enterovírus 71 os mais comuns.​

Transmissão:
Ocorre através do contacto direto com secreções nasais e faríngeas, saliva, líquido das vesículas ou fezes de indivíduos infetados. A transmissão também pode ocorrer por contacto com superfícies contaminadas.​

Manifestações Clínicas:
Sintomas Iniciais: Febre baixa (por vezes elevada nos primeiros dias), mal-estar, dor de garganta e, por vezes, perda de apetite.​
Exantema e Lesões: Após 1 a 2 dias do início da febre, surgem pequenas vesículas dolorosas na boca (estomatite), que podem evoluir para úlceras. Simultaneamente, aparecem erupções cutâneas nas palmas das mãos, plantas dos pés e, ocasionalmente, nas nádegas e área genital. Estas lesões podem ser vesiculares ou maculopapulares.​

Diagnóstico: 
Baseia-se na apresentação clínica típica. Em casos atípicos ou complicados, pode-se recorrer a exames laboratoriais para identificar o vírus.​

Tratamento:
Não existe tratamento antiviral específico. O tratamento é de suporte, visando aliviar os sintomas.​ Analgésicos e antipiréticos podem ser administrados para aliviar a dor e a febre.​
É fundamental manter a criança bem hidratada, oferecendo líquidos frios e alimentos macios para minimizar o desconforto oral.​

Prevenção:
Não há vacina disponível para a Doença Mão-Pé-Boca.​
Medidas preventivas incluem lavar as mãos frequentemente, especialmente após trocar fraldas ou usar o WC, e limpar e desinfetar superfícies e objetos tocados com frequência.​
Crianças infetadas devem ser mantidas afastadas de creches ou escolas durante a fase aguda da doença para evitar a disseminação.​


Nota: Este artigo é informativo e não substitui a consulta médica.​


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