terça-feira, 3 de junho de 2025

ALIMENTAÇÃO, NUTRIENTES E RODA DOS ALIMENTOS

Como pediatra, observo frequentemente que uma alimentação equilibrada é a base sólida para o crescimento, desenvolvimento e saúde a longo prazo das nossas crianças. A nutrição adequada, desde os primeiros dias de vida, influencia o rendimento escolar, a imunidade, o desenvolvimento neurológico e até os hábitos alimentares para o futuro. Por isso, neste artigo, apresento um guia detalhado e prático sobre os nutrientes essenciais, as necessidades nutricionais ao longo das fases da infância e a importância da Roda dos Alimentos para planearem refeições saudáveis em casa.

MACRONUTRIENTES:
A ENERGIA E OS TIJOLOS FUNDAMENTAIS DO CORPO

Os macronutrientes são os grandes protagonistas da alimentação diária, necessários em quantidades maiores e que desempenham funções essenciais na manutenção e construção do organismo.

  • Hidratos de carbono (carboidratos) são a principal fonte de energia para todas as atividades do corpo. Transformam-se em glucose, que nutre as células e permite que o bebé ou criança cresça, mexa-se e mantenha as funções vitais. Existem os simples, como o açúcar natural da fruta, do mel ou do leite, que são absorvidos rapidamente; e os complexos, como pão, arroz, massas, batata e leguminosas, que fornecem energia de forma gradual e contribuem com fibra alimentar fundamental para o trânsito intestinal saudável. É fundamental evitar o consumo excessivo de açúcares adicionados e produtos açucarados, pois conduzem a picos de energia seguidos de fadiga, favorecem a aparição de cáries e estão associados ao aumento do risco de obesidade infantil.

  • Proteínas são os blocos de construção do corpo, compostas por aminoácidos, alguns essenciais porque o organismo não os produz. Para além de formarem músculos, órgãos, pele, cabelo e unhas, participam na produção de enzimas, hormonas e anticorpos, que garantem o funcionamento e defesa do corpo. Durante a infância, quando o corpo cresce rapidamente, as proteínas são imprescindíveis para assegurar o desenvolvimento adequado. Encontram-se em carnes magras como frango e peru, carnes vermelhas (em quantidades moderadas), peixe (rico também em ómega-3), ovos, leite e derivados, e em fontes vegetais como feijão, grão-de-bico, lentilhas e soja. Para vegetarianos, a combinação de leguminosas com cereais garante o aporte completo dos aminoácidos essenciais. 

  • Lípidos (gorduras) fornecem energia concentrada, protegem órgãos, ajudam a manter a temperatura corporal e permitem a absorção das vitaminas A, D, E e K, que são lipossolúveis. São ainda fonte de ácidos gordos essenciais, como os ómega-3 e ómega-6, cruciais para o desenvolvimento cerebral e do sistema nervoso, especialmente nos primeiros anos de vida. As gorduras insaturadas (presentes no azeite, frutos secos, sementes e peixes gordos) são as mais benéficas e devem ser privilegiadas, enquanto as saturadas e trans devem ser limitadas devido ao risco cardiovascular que representam. Os alimentos ultraprocessados costumam conter gorduras saturadas e trans em excesso, o que reforça a importância de escolhas alimentares conscientes.

MICRONUTRIENTES:
PEQUENAS QUANTIDADES, GRANDES FUNÇÕES

Embora necessários em doses muito menores, os micronutrientes vitaminas e minerais são imprescindíveis para a regulação do metabolismo e para o crescimento e saúde geral.

Vitaminas: Cada uma tem um papel específico. A vitamina D é vital para o fortalecimento dos ossos, pois ajuda na fixação do cálcio; a vitamina A é essencial para uma boa visão e para o sistema imunitário; a vitamina C contribui para a formação do colagénio, mantendo a pele, vasos sanguíneos e ossos saudáveis; a vitamina K é importante para a coagulação do sangue. A falta destes micronutrientes pode causar doenças graves como o raquitismo, escorbuto, problemas de visão ou atrasos no crescimento.

Minerais: Entre os mais importantes estão o cálcio, que fortalece ossos e dentes; o ferro, indispensável para o transporte de oxigénio no sangue e prevenção da anemia, especialmente importante após os 6 meses, quando as reservas naturais dos bebés se esgotam; o zinco, que ajuda na cicatrização e defesa imunitária; o iodo, fundamental para o metabolismo e desenvolvimento cerebral; e eletrólitos como sódio e potássio que regulam o equilíbrio hídrico e a função muscular. O consumo excessivo de sal deve ser evitado desde cedo para prevenir hipertensão no futuro.

NECESSIDADES NUTRICIONAIS DURANTE O CRESCIMENTO

As necessidades energéticas e proteicas mudam significativamente desde o nascimento até à idade adulta, acompanhando o ritmo de crescimento e atividade física.

  • Recém-nascidos (primeiros 15 dias) alimentam-se exclusivamente de leite materno ou fórmula infantil. O leite materno contém a proporção ideal de gorduras, proteínas e hidratos de carbono e, apesar de fornecer a maior parte das vitaminas e minerais, recomenda-se suplementar vitamina D para prevenir carências.

  • Lactentes aos 3 meses continuam exclusivamente com leite, aumentando o volume conforme crescem. O leite cobre todas as necessidades nutricionais até aos 6 meses, quando começa a diversificação alimentar.

  • Aos 12 meses (1 ano), as crianças já ingerem alimentos sólidos variados, como purés, papas, legumes, carnes e frutas, mantendo ainda o leite materno ou fórmula de transição. A atenção aos micronutrientes, especialmente ferro, é essencial para evitar anemia.

  • Crianças pequenas (1-3 anos) devem integrar a dieta familiar, com refeições variadas, respeitando porções adaptadas e evitando alimentos ultraprocessados que podem prejudicar a formação do paladar e hábitos alimentares.

  • Na idade pré-escolar (5-6 anos) e escolar (10 anos), aumentam as necessidades energéticas e proteicas para acompanhar o crescimento e a atividade física. A variedade alimentar deve ser incentivada, incluindo mais frutas, hortícolas, proteínas magras, cereais integrais e lacticínios.

  • Adolescentes (15 anos) têm necessidades nutricionais elevadas devido ao crescimento rápido e à maturação sexual. É importante garantir uma alimentação rica em proteínas, ferro, cálcio e vitaminas do complexo B, orientando-os para escolhas saudáveis e evitando o consumo excessivo de “comida lixo” e fast-food. 

  • Adultos jovens (21 anos) alcançam a maturidade física, estabilizando as necessidades nutricionais. A manutenção de bons hábitos alimentares é crucial para a prevenção de doenças crónicas e para manter um peso saudável.

A RODA DOS ALIMENTOS:
MODELO SIMPLES E VISUAL PARA UMA ALIMENTAÇÃO EQUILIBRADA

A Roda dos Alimentos é uma ferramenta didática criada em Portugal em 1977 e atualizada ao longo dos anos, que ajuda pais, cuidadores e educadores a planear refeições equilibradas e saudáveis para crianças e toda a família. Visualmente, é representada por um círculo dividido em segmentos coloridos, cada um representando um grupo alimentar com uma proporção diária recomendada. Esta forma circular é intencional: lembra-nos que a alimentação deve ser variada, com todos os grupos presentes, e que nenhum alimento deve ser considerado mais importante do que outro isoladamente.

Grupos e proporções na roda dos alimentos

A roda é dividida em sete grupos principais, com tamanhos que indicam a importância relativa e a quantidade que devemos consumir de cada um diariamente:

  • Cereais e tubérculos (cerca de 28%) A base energética da dieta, fontes de hidratos de carbono complexos, fibras, vitaminas do complexo B e minerais. Exemplos: pão, arroz, massas, batata, milho.

  • Hortícolas (23%) Legumes e verduras, que fornecem vitaminas, minerais, fibra e água, essenciais para o bom funcionamento do organismo.

  • Fruta (20%) Fonte natural de vitaminas, especialmente vitamina C, minerais e fibras, com açúcares naturais que fornecem energia.

  • Lacticínios (18%) Leite, iogurtes e queijos, principais fornecedores de cálcio, proteínas de alto valor biológico e outras vitaminas importantes.

  • Carnes, peixe e ovos (5%) Ricos em proteínas completas, ferro, zinco, vitaminas do complexo B e ácidos gordos essenciais, como o ómega-3 no peixe.

  • Leguminosas (4%) Feijão, lentilhas, grão-de-bico e derivados, fontes de proteína vegetal, fibra, ferro e outros micronutrientes.

  • Gorduras e óleos (2%) Azeite, óleos vegetais e frutos secos, que fornecem gorduras insaturadas essenciais e vitamina E.

No centro da roda está a água, elemento fundamental para a vida, pois está presente em todos os alimentos e deve ser consumida em quantidades suficientes (1,5 a 3 litros por dia, dependendo da idade e da atividade física).

O que são porções e porque são importantes?

Para além das percentagens, a Roda dos Alimentos também indica a quantidade recomendada para cada grupo alimentar em termos de porções diárias. Uma porção é uma medida padrão que ajuda a quantificar o quanto de cada alimento devemos consumir para assegurar a ingestão adequada de nutrientes, evitando excessos ou défices.

Por exemplo, uma porção de fruta pode corresponder a uma peça média (uma maçã, uma banana), uma porção de hortícolas pode ser meia chávena de legumes cozidos ou uma chávena de salada crua, e uma porção de carne pode ser cerca de 50-70 gramas (equivalente a uma pequena fatia ou a um bife de tamanho moderado).

As porções facilitam o planeamento das refeições, ajudando a dividir o prato de forma equilibrada e a garantir variedade. Para crianças pequenas, as porções são naturalmente menores do que para adultos e devem ser ajustadas à idade, ao peso, ao apetite e ao nível de atividade física.

Como aplicar as porções no dia a dia da criança?

Usando a Roda dos Alimentos como guia, os pais podem distribuir as porções ao longo do dia, garantindo que a criança ingere a quantidade adequada de cada grupo alimentar. Por exemplo:

  • Cereais e tubérculos: para uma criança entre 1 e 3 anos, são recomendadas cerca de 4 porções diárias. Isto pode incluir uma fatia de pão ao pequeno-almoço, meia chávena de arroz no almoço, uma papa de aveia ao lanche e uma batata cozida no jantar. 

  • Fruta e hortícolas: a recomendação é de 3 a 5 porções por dia para cada grupo. Uma peça de fruta ao pequeno-almoço, um prato de salada ou legumes no almoço e outra porção de fruta ou legumes ao lanche/jantar cumprem esta necessidade.

  • Lacticínios: para crianças pequenas, 2 a 3 porções diárias são importantes para garantir o cálcio e a proteína necessários para ossos e dentes fortes. Um copo de leite, um iogurte natural e um pouco de queijo podem compor essas porções.

  • Carnes, peixes e ovos: 1 a 2 porções diárias (ou em média 1,5 a 4,5 porções semanais, variando o tipo de proteína) fornecem as proteínas essenciais. Podem ser pequenas porções, adaptadas ao apetite e preferências da criança.

  • Leguminosas: recomendam-se 1 a 2 porções diárias como alternativa ou complemento às proteínas animais. Uma concha de feijão ou grão-de- bico numa refeição ajuda a diversificar e enriquecer a alimentação.

  • Gorduras e óleos: 1 a 3 porções diárias, privilegiando as gorduras insaturadas, são necessárias para a absorção das vitaminas e fornecimento de ácidos gordos essenciais.

Por que as porções são um instrumento útil?
  • Evitar excessos e défices: Ao quantificar o alimento em porções, ajuda- se a criança a não comer demais, nem de menos, equilibrando o aporte calórico e nutricional.

  • Garantir diversidade: A contagem de porções ajuda a variar os alimentos consumidos dentro de cada grupo, pois não basta comer sempre a mesma fruta ou o mesmo tipo de carne; a variedade promove uma melhor cobertura nutricional.

  • Facilitar o planeamento: Os pais podem usar a Roda para organizar o menu semanal, assegurando que todas as refeições oferecem os grupos alimentares em quantidades e proporções adequadas, de acordo com a idade da criança.

  • Adaptação ao crescimento: Conforme a criança cresce, as porções recomendadas aumentam. A Roda dos Alimentos oferece essa flexibilidade, orientando o ajustamento natural da dieta às necessidades em cada fase.

OS PERIGOS DOS ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS

É fundamental limitar o consumo de alimentos ultraprocessados, produtos industrializados que contêm grandes quantidades de açúcar, sal e gorduras saturadas, e que têm pouco valor nutricional. Exemplos comuns incluem refrigerantes, bolachas recheadas, snacks salgados, fast-food, refeições pré- cozinhadas e enchidos.

Estes produtos são muito calóricos, pobres em fibras e micronutrientes essenciais, e incentivam o consumo excessivo devido ao seu sabor apelativo e embalagens familiares que tornam difícil parar de comer. O consumo elevado destes alimentos está ligado ao aumento da obesidade infantil e juvenil, além de contribuir para problemas cardiovasculares e outros riscos para a saúde a longo prazo.

Para evitar estes riscos, recomendo que os pais preparem snacks caseiros, ofereçam água em vez de refrigerantes, evitem oferecer ultraprocessados como hábito e promovam refeições feitas com “comida de verdade”, baseadas em alimentos frescos e naturais.

EM RESUMO...

Uma alimentação equilibrada, diversificada e adequada a cada fase do crescimento é um dos maiores presentes que podemos oferecer aos nossos filhos. Com atenção aos macronutrientes, micronutrientes e escolha consciente dos alimentos, garantindo a presença dos sete grupos da Roda dos Alimentos e evitando ultraprocessados, construímos bases sólidas para crianças mais fortes, saudáveis e felizes.

Este guia é um convite para que, enquanto pais e cuidadores, façamos escolhas informadas, cuidando da nutrição dos nossos pequenos com amor, ciência e bom senso. 

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